No distante ano de 1992, ameaçado de perder o mandato em consequência de uma CPI que identificara sérias irregularidades em seu governo, o então presidente Fernando Collor teve a ideia de convocar os brasileiros para tomarem as ruas no dia 7 de setembro, vestidos de verde e amarelo, para uma demonstração de apoio a seu governo. Em tom dramático, apelou:
— Não me deixem só.
Péssima ideia. Em resposta, milhares de jovens vestiram-se de preto e pintaram a cara para pedir "Fora Collor". Não há risco de ocorrer nada semelhante neste domingo, quando haverá manifestações de apoio ao governo de Jair Bolsonaro, até porque não paira sobre ele uma ameaça de impeachment. A oposição está enfraquecida e os jovens críticos do governo já fizeram a sua manifestação em 15 de maio, no ato em defesa das universidades, mas que também exibiu outras bandeiras, incluindo o pedido de liberdade para o ex-presidente Lula. Os riscos para Bolsonaro são outros.
Como qualquer movimento organizado pelas redes sociais, a pauta é difusa, mas não faltarão ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal. Esse é o primeiro problema. Mesmo que não participe diretamente, não convém ao presidente da República associar-se a manifestações que pedem o fechamento de duas instituições que, goste-se ou não dos seus integrantes, são pilares da democracia. Nos grupos de WhatsApp, há de tudo um pouco nos áudios e nos textos: apoio ao presidente, à Lava-Jato, à "Lava-Toga", à reforma da Previdência, ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro, à manutenção do Coaf no Ministério da Justiça e ao voto nominal na Medida Provisória 870 (que já foi aprovada na Câmara), afastamento do ministro Dias Toffoli, fechamento do Congresso e do Supremo, defesa da legalidade e da moralidade, ataques ao comunismo, ao globalismo, ao petismo e ao centrão.
"Bolsonaro vai acabar fechando Congresso e Supremo", diz um dos cards que circulam nos grupos de WhatsApp de bolsonaristas. "Vem pra rua dia 26/5 pelo impeachment de Gilmar Mendes e pelo impeachment de Dias Toffoli", diz outro, entre centenas que convocam para as manifestações e indicam os locais em cada capital.
Os caminhoneiros estão divididos, mas prometem fazer barulho, levando os "cavalinhos" (caminhões sem a carroceira) para a Avenida Paulista, em São Paulo – para ganhar repercussão mundial –, e para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Aqui reside o segundo problema potencial para o governo. Caminhoneiros que pararam o Brasil em maio do ano passado, e que contribuíram para o resultado negativo da economia em 2018, prometem participar da manifestação com o discurso de que Bolsonaro está engessado pelo Congresso e pelo Supremo e precisa de apoio.
"Bolsonaro precisa sentir que o caminhoneiro tá com ele, para lá na frente ele nos ajudar", diz um dos áudios com o ronco do caminhão ao fundo. Ajudar lá na frente, pelo que se depreende das gravações, é atender reivindicações como o congelamento do preço do diesel e acabar com os radares nas estradas. Outro áudio convoca os colegas carreteiros a fazerem "um cerco a Brasília, fechar o Congresso, fechar o Supremo, sitiar aquele povo ali dentro, chamar o presidente para ele tomar uma atitude de mandar prender essa turma de 'ladrão' no Mané Garrincha".
Ainda que não passe de bravata, a agressividade das mensagens justifica a sugestão dos conselheiros do presidente para que nem ele nem os ministros compareçam à manifestação. Explica, também, o silêncio dos militares e a cautela de aliados, incluindo líderes do PSL.
A questão, para depois de domingo, é o que Bolsonaro ganha se os atos forem um sucesso, além do conforto de saber que, ao contrário de Collor em 1992, não está só. E o que perde se a síntese da manifestação for uma declaração de guerra ao Legislativo e ao Judiciário.