Não foi uma simples eleição para escolha do presidente do Senado. Foi uma disputa entre Renan Calheiros e seu antípoda, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Resultado: vendo que o Senado o mandaria para o limbo, Renan retirou a candidatura na segunda votação, mas o Senado saiu com a credibilidade abalada. Fera ferida, mordido porque se considera vítima de uma armação do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o senador alagoano vai virar uma pedra no sapato do governo de Jair Bolsonaro.
A noite de sexta-feira (1º) não será esquecida tão cedo pela fartura de imagens que justificam as brincadeiras de mau gosto sobre a cúpula do prédio, que remete ao circo. Nem a tarde de sábado (2), com a trapalhada do aparecimento de 82 cédulas em uma casa de 81 senadores. Alguém tentou embaralhar as cartas.
Como dois terços dos senadores têm oito anos de mandato pela frente e o outro terço tem quatro anos para convencer os eleitores de que merece uma nova chance. Suas Excelências não têm que se preocupar com o próprio futuro. Podem, portanto dedicar sua energia ao país, que vai precisar de um Senado que inspire confiança.
Molecagens praticadas por homens e mulheres adultos, alguns já avançados na terceira idade, devem ser substituídas por um comportamento responsável na hora de apreciar os projetos que passarão pelo plenário nos próximos meses. Vêm aí reformas polêmicas, que exigirão do novo presidente capacidade de articulação, bom senso e respeito às regras. O inexperiente Alcolumbre terá de amadurecer em estufa. Por enquanto, é um alpinista de costas quentes, já que sua candidatura foi engendrada por Onyx.
No vale-tudo para impedir a vitória de Renan, um legítimo representante do que há de pior na política, o Senado começou atropelando o regimento interno. Como o voto aberto era considerado crucial para o sucesso da cruzada anti-Renan, seus adversários adotaram a máxima de que os fins justificam os meios. O barraco armado pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO), que "roubou" a pasta de documentos do autodeclarado presidente, amplificou o clima circense da sessão, virou meme, mas escancarou a manobra que, por linhas tortas, garantiu o resultado desejado pelos inimigos de Renan, entre os quais está o gaúcho Lasier Martins (PSD).
Os descontentes foram ao Supremo ainda na madrugada, alegando que havia um flagrante desrespeito às regras do jogo: sendo candidato (ainda que não oficializado até aquele momento), Alcolumbre não poderia ter presidido a sessão que aprovou o voto aberto. O ministro Dias Toffoli deu a liminar, determinando que a sessão fosse presidida pelo senador mais velho (José Maranhão) e o voto, secreto. Nenhuma surpresa. O STF já havia sido procurado por Lasier, que pretendia garantir o voto aberto no tapetão, e negara a liminar. É no que dá judicializar a política. Demandado, o Supremo responde. Conforme a decisão, é acusado de ativismo judicial.
Se é sincero o desejo de transparência, o Senado deve aprovar — sem casuísmos — o voto aberto para tudo e não apenas para a eleição da Mesa.