O título do livro (e do filme) que reconstitui a investigação feita pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein do caso Watergate — e a derrubada do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon — serve perfeitamente para o mais recente episódio da vida real da política brasileira, a prisão de amigos íntimos do presidente Michel Temer. Não se trata aqui de investigação jornalística, mas de um trabalho paciente da Polícia Federal e do Ministério Público Federal para juntar as peças que formam o quebra-cabeças de um escândalo do qual só se conhece uma ponta.
No dia 5 de março, quando determinou a quebra do sigilo bancário (e depois telemático) de José Yunes, Rodrigo Rocha Loures e do coronel João Batista Lima, estava claro que o ministro Luís Roberto Barroso tinha cercado o presidente Michel Temer como em um jogo de xadrez. A prisão, nesta quinta-feira (29), de Yunes, Lima, do ex-ministro Wagner Rossi, do diretor-presidente da Rodrimar, Antonio Celso Greco, e de uma das herdeiras do Grupo Libra, a empresária Celina Torrealba, indica que a quebra dos sigilos revelou conexões dignas de uma versão brasileira de Todos os Homens do Presidente.
O que essas pessoas têm em comum? Ligações com o setor portuário, uma área nebulosa em que se movimentam somas bilionárias e que está há anos sob comando do PMDB, mais especificamente do grupo do presidente. Alguns são amigos de longa data de Temer, caso de Yunes, que teria recebido R$ 1 milhão do doleiro Lúcio Funaro, a pedido da Odebrecht, em seu escritório, e que se autodefiniu como "mula involuntária". Na versão de Yunes, ele não sabia o que continha no envelope repassado por Funaro para o PMDB. Achou que eram documentos, mas o doleiro disse na delação premiada que era dinheiro em notas contadas.
O fio condutor dessa narrativa que está sendo investigada apesar de o ex-diretor da Polícia Federal Fernando Segóvia, o breve, ter dito que a tendência era de arquivamento, por falta de consistência. Quem se beneficiou com as linhas e entrelinhas do decreto dos portos e quem recebeu propina é a resposta que os investigadores buscam com as quebras de sigilo.
O fato de a PF ter divulgado uma nota sucinta sobre as prisões e dito que desta vez não haverá entrevista coletiva para explicar as prisões indica que elas estão baseadas nas quebras de sigilo. Por ser um direito constitucional, o sigilo bancário, fiscal, telefônico e de correspondência só pode ser quebrado por decisão judicial, para subsidiar uma investigação, mas não pode ser tornado público. Com frequência vaza, mas é crime.
Quando Barroso decretou a quebra do seu sigilo, Temer anunciou que ele mesmo tornaria públicos os extratos. Passaram-se 24 dias e o presidente nada divulgou. Ao contrário, teria repensado a promessa e concluído que se precipitou e que divulgar dados de movimentação bancária abriria brechas para interpretações e questionamentos.
A Operação Skala, que levou para cadeia seus amigos próximos, é mais uma pedra no caminho da improvável candidatura de Temer à reeleição. A grande incógnita nesse quebra-cabeça é o coronel Lima, que até aqui vinha se esquivando de depor, alegando motivos de saúde. Já foram encontrados indícios de que ele pagava contas da família de Temer e que ele pode ser bem mais do que um velho amigo.