A ex-presidente Dilma Rousseff conversou com GaúchaZH por uma hora e meia nesta quinta-feira (18) em seu apartamento, no bairro Tristeza, em Porto Alegre, acompanhada de um assessora. Na entrevista, ela revela que estará em São Paulo na quinta-feira da próxima semana (dia 25) para a reunião do diretório nacional em que o seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, será aclamado candidato do PT à Presidência – seja qual for o resultado do julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) no dia anterior. Confira, a seguir, a síntese da conversa:
A senhora tem esperança de que o TRF4 reverta a condenação do ex-presidente Lula?
No caso Lula, temos vários problemas. Quando sofri o impeachment, disse que haveria consequências institucionais, que não tinha crime de responsabilidade, e uma certa omissão dos órgãos judiciais. No mínimo, você teria medidas de exceção e isso se viu ao longo destes 18 meses. O julgamento do Lula é típico de uma certa situação que se chama de lawfare, que é o uso da lei como arma. Em vez de você usar revólveres, metralhadoras, bombas ou tanques, usa a lei como forma de destruição do inimigo. O triplex, segundo a defesa alertou durante o julgamento antes da sentença, tinha sido dado em garantia pela OAS para a Caixa Econômica Federal num processo de pagamento de dívidas. Agora, a juíza Luciana Corrêa de Oliveira dá em penhora o apartamento triplex. Ora, se o Lula não tem a propriedade, que história é essa?
Acredita que o TRF4 pode reverter a sentença do juiz Moro?
Acho que estamos diante de um julgamento político do Lula até agora. A ação contra Lula continua golpe que começou no impeachment. O TRF4 pode retomar a credibilidade do Judiciário e fazer um julgamento jurídico e responder todas as questões irregulares da sentença.
A primeira consequência gravíssima (da confirmação da condenação de Lula) é proliferar o estado de indignação.
DILMA ROUSSEFF
Ex-presidente da República
Que consequências a senhora prevê se a sentença for mantida?
A primeira consequência gravíssima é proliferar o estado de indignação.Primeiro, Lula não é um radical. Agora, submeta você a toda a sorte de acusações infundadas, de xingamentos, exposição midiática sem direito de defesa. É óbvio que você se indigna. O que é a indignação? É perceber que no Brasil tem gente com gravações de malas passeando de um lado para o outro como é o caso do senhor presidente ilegítimo. O senador Renan Calheiros reafirmou aquilo que vem dizendo em relação à Caixa e ao governo Temer. Quem nomeia ministro e funcionários da Caixa? Grande surpresa a imprensa demonstra. Grande falsidade e hipocrisia. Quem é que não sabe quem é Eduardo Cunha? Quem não sabe a proximidade dele com Temer? E a história dos portos? Isso pode? É permitida uma mala andando para baixo e para cima. É permitido que o senador Aécio Neves seja acusado de tudo, tenha seu mandato garantido e não seja julgado por nada? E o Lula, que não tem posse do apartamento, que não tem ato de ofício, que não tem conta na Suíça?
A senhora não confia na isenção do TRF4, então?
Tenho esperança. Não é questão de confiar. Tenho muita esperança de que o TRF4 rompa com essa cadeia de irregularidades que tem caracterizado algumas das atitudes do Judiciário no Brasil, coisa extremamente prejudicial para o país.
O juiz Sergio Moro também tem sido duro com pessoas de outros partidos. Condenou Eduardo Cunha, por exemplo.
Sim, com provas cabais. E só foi condenado depois do meu impeachment. Antes, quem não sabia que ele tinha conta na Suíça?
Mas até então ele tinha foro privilegiado.
Querida, negativo. Ele tinha o foro e todo mundo sabia quem ele era. Do senador Delcídio Amaral tiraram o foro privilegiado um dia depois. Com o Eduardo Cunha, levaram de dezembro a maio. Ele presidiu meu impeachment no dia 17 de abril. O autor do impeachment é ele. É o grande articulador.
Sem ele não teria ocorrido o impeachment?
Não há por quê. Pelo mesmo motivo que o senhor Temer, por duas vezes, é impedido pela Câmara de ser julgado. Por quê? Porque Temer se baseou nos votos daqueles comprados pelo senhor Eduardo Cunha, que deu base também para o impeachment. O golpe não é um ato inaugural. Tira sem crime de responsabilidade uma presidente com 54 milhões de votos e dá um mandato para quem não teve nenhum voto. Esse é o primeiro ato. E aí tem o segundo, que é aplicar um programa por quatro vezes derrotado nas eleições presidenciais. Esse programa não tem respaldo popular. Quem tem a ousadia de dizer que o povo aprovaria a reforma trabalhista, que agora vai explodir em tudo quanto é lugar? A terceira fase do golpe é expandir as medidas, vender um pedaço da Petrobras.
Mas Temer não conseguiu sequer produzir um sucessor...
Não é Temer, é o PSDB que ruiu. Ruiu a principal oposição a nós. Ela que articulou o golpe e se articulou e se aliançou com o PMDB, mas que PMDB? Quando transitamos da ditadura para a democracia, construiu-se no Brasil um grande centro democrático, que foi muito importante para transformações, para, por exemplo, Constituição de 1988. Era um centro democrático e progressista, que serviu de base de apoio e de estabilidade para todos os governos decorrentes. Ao mesmo tempo, começou uma fragmentação desse centro, que chegou ao auge no meu governo, com a derrubada da cláusula de barreira pelo Supremo, que abriu caminho para o fisiologismo, com dois elementos: o tempo de televisão, que as pessoas passaram a negociar, e o fundo partidário.
Essa fragmentação foi a causa das suas dificuldades?
Não. É a que mais explica por que apareceram 25 partidos no meu governo. Se há 25 partidos e não há 25 projetos para o Brasil, como eles chegam ao poder? Negociando cargos, emendas e outras questões. Está formada a base para o surgimento, dentro do PMDB, de uma corrente à direita que sai do padrão tradicional do PMDB e aí surge uma liderança capaz desta direita. Eduardo Cunha não é só um corrupto, é um corrupto estrategista. Renan fala três coisas que Cunha queria: o impeachment, o governo e o controle do dinheiro.
O que deu errado para Cunha estar na cadeia?
E o Temer? E o Temer, minha filha? O que botaram no meu lugar? Ele falando que meu governo era corrupto. Onde que meu governo era corrupto? Onde que nós andamos com mala de dinheiro para baixo e para cima, onde deixei um decreto dos portos do tipo que foi feito por ele? Onde?
No caso da Petrobras, a senhora quando assumiu trocou...
Minha querida, quero te dizer o seguinte: o fato de eu ter substituído todo mundo que substituí não tem a menor importância ou relevância.
Não acho que a corrupção é algo transparente. Se fosse algo transparente, nós saberíamos que o Geddel tinha malas de R$ 51 milhões guardadas no apartamento e não precisaria nem da PF, nem do MP, nem do Judiciário para descobrir.
Tem, e era isso o que eu ia perguntar. A senhora identificou sinais de corrupção?
Não substituí porque achava que eles eram corruptos. Porque não acho que a corrupção é algo transparente, minha querida. Se fosse algo transparente, nós saberíamos que o Geddel tinha malas de R$ 51 milhões guardadas no apartamento e não precisaria nem da Polícia Federal, nem do Ministério Público, nem do Judiciário para descobrir. Eu achava que senhor Nestor Cerveró era incompetente.
A impressão que ficou foi de que a senhora intuía que eles estavam fazendo coisa errada.
Não intuí nada, não gostava dos padrões de gestão deles. Ontem me perguntaram por fake news. Eu disse: “Fake news, comigo?”. Todas as minhas eleições tiveram fake news. A fake news minha era da Veja, do Globo, da IstoÉ. Porque não interessava o depois, é o efeito que interessa. Mas não quero falar sobre isso. Acho que naquele momento o que era que estava na pauta? O Aécio era protegido pela mídia. Hoje está claro quem é Aécio Neves. Está claro para todo mundo, muita gente sabia disso, tanto que Romero Jucá disse “o primeiro a cair é o Aécio”. Quando se desencadeia o lawfare, ele vem centrado no Lula e em mim e no PT. Aliás, só nós fomos presos, cá pra nós.
Hoje tem muita gente do PMDB presa. Geddel e Henrique Eduardo Alves, por exemplo. Aliás, alguns desses foram ministros ou tiveram cargos nos dois governos do PT.
Pra mim, eles não tinham o poder de fazer chongas. Não deixei.
As indicações foram impostas pelo PMDB?
Do Henrique Eduardo Alves foi imposta pelo Temer. Temer tinha, tem, uma relação extremamente próxima com ele. Era o cara da confiança dele. Geddel idem, só que ele afastei a partir de certo momento.
Mas a entrada foi pela mão do Temer?
Sempre foi. O Renan fala certo, quem mandava era o Eduardo Cunha, e o Temer obedecia.
Em que momento que a senhora se deu conta de que estava sendo traída por Temer?
Não acho que isso seja relevante. Tenho a impressão de que ele muda no final de 2014 para 2015, quando, não sei como, ele passa a perceber que pode virar presidente por um golpe de impeachment, mas eu acho que não é essa a questão. É quando Eduardo Cunha deixa de ser só líder do PMDB e passa a ser presidente da Câmara. Nesse momento, o PMDB vira, a hegemonia se concretiza e, a partir daí, não é o Temer ou A ou B, é Cunha que lidera. É Cunha que propõe o impeachment. É Cunha que tem a pauta, que tem os votos e que vai garantir a impunidade do Temer nas duas votações. Renan tem toda a razão, é Cunha quem nomeia o governo.
A senhora confia em Renan?
Não é uma questão de confiança, estou citando o Renan porque ele disse. Convivi com Renan, acho o Renan, deles, o melhor. Não tenho por que confiar em ninguém.
Quando o Ministério Público pede 386 anos de prisão para o Eduardo Cunha...
Minha querida, vou te falar, não estou mais na idade de ficar olhando a espetacularização das coisas. Não é essa a questão. Ninguém vive 386 anos, isso é ridículo.
Mas a sua sensação é de que está se fazendo justiça?
Isso é ridículo, não tenho sensação de vingança.
O que a senhora sentiu quando ouviu a gravação de Aécio Neves pedindo dinheiro ao dono da JBS?
Querida, posso falar uma coisa? Não é uma questão de vingança pessoal, não pode ser, não é isso.
Não sabia que Aécio era tão ladrão, mas que ele era superficial, irresponsável, playboy, inconsequente, e que a mídia o protegia eu sabia. A irresponsabilidade desse rapaz é assustadora para o seu país.
Mas qual foi a sua sensação, já que ele sempre foi um dos seus críticos mais duros?
Minha filha, quem é que não sabia quem era o Aécio, pô? Fui presidente da República, você acha que não tenho uma avaliação do Aécio? Não sabia que ele era tão ladrão, mas que ele era superficial, irresponsável, playboy, inconsequente, e que a mídia o protegia eu sabia. A irresponsabilidade desse rapaz é assustadora para o seu país, mostra que isso é a visão do playboy, que quer, sobretudo, usufruir da vida, não quer dar nada em troca.
A senhora vai disputar algum cargo em outubro? Fala-se que poderia concorrer pelo Rio Grande do Sul, por Minas ou pelo Maranhão.
Eu ainda estou pensando nisso, viu? Não, Maranhão não vou não. Não sou de lá... vivi aqui. Luis Fernando Verissimo uma vez disse que eu era mineira de nascimento e gaúcha de propósito. Então, quero dizer, se for concorrer, considero essas duas hipóteses.
Está mais para Minas ou Rio Grande do Sul? Câmara ou Senado?
Não considerei nada ainda. Realmente, acho que essa terceira fase do golpe é relevantíssima. O Lula é a única pessoa hoje em condições de mudar a trajetória política desse país, fazer esse país reencontrar-se consigo mesmo. O efeito político do golpe, do lado dos golpistas, foi acabar com qualquer candidato, porque ninguém acredita que Doria ou Luciano Huck, por melhores pessoas que sejam, tenham dimensão para ser presidente. E a consequência de destruição das lideranças do PSDB foi a criação de um movimento de direita que hoje está expresso no Bolsonaro, na extrema-direita.
Huck diz que não vai ser candidato. A senhora não acredita nesse recuo dele então?
Acredito não. A imprensa não acredita. Acho que o que o Huck espera é a saída do Lula, mas impreterivelmente o Lula vai estar nessa eleição, seja qual for o resultado no TRF4. Ele estará na eleição porque iremos lutar em todas as instâncias e faremos isso de forma muito pacífica.
Manifestações, como a da presidente do PT, Gleisi, que fala que para prender Lula vai ter de morrer gente não acabam acirrando os ânimos?
Eu diria, a própria Gleisi disse, que foi mal interpretada nas palavras. O que ela estava dizendo é que, se tirar o Lula desse processo, vai continuar um grau de deterioração econômica e social e vai levar gente a morrer.
O que fazer para combater a corrupção? Porque é indiscutível que ocorreu corrupção na Petrobras.
Pera lá. Há muitos anos. Quem montou os processos que permitiram chegar à corrupção na Petrobras pela primeira vez fomos nós. Porque até então, minha querida, ninguém investigava nada. Dois delatores da Petrobras disseram que participavam de processos de corrupção anteriores.
Mas o que fazer para que não aconteça mais?
Acho que o que está sendo feito. Você vai ter de punir quem errou, vai ter de impedir que ocorra e sobretudo que tenha cuidado.
Tem alguém com quem a senhora se decepcionou? Bendine, por exemplo, a senhora nomeou para a Petrobras e hoje está preso.
Bendine não é culpado. É importante ter uma posição definitiva sobre qualquer processo é que os dois lados apareçam. Até agora eu só vi a denúncia dele. Preciso ver como vai ser.
Nós não queremos guerra. Achamos que a indignação é pacífica e que ela é uma força de transformação, e não de violência.
Nesse clima de exacerbação, a senhor teme conflitos no dia 24?
Nós não queremos guerra. Achamos que a indignação é pacífica e que ela é uma força de transformação, e não de violência. Achamos que isso pode ser feito pacificamente. Aliás, tem de ser feito pacificamente. Se não, não está contribuindo para a democracia. A gente tem de alertar todo o pessoal a favor do Lula para a questão da provocação. Não só não entrar na provocação, mas não deixar que provocadores usem a boa intenção da manifestação para desencadear atos de violência. Se estiver alguém se manifestando ali, deixa se manifestar. Quero lembrar que nós nunca reprimimos manifestação contrária a nós, não temos essa trajetória. Uma porção de gente tem, nós não temos.
A preocupação é com os radicais, os black blocs que em outras manifestações promoveram depredações?
O que a gente está orientando é que haja uma reação imediata quando ocorrer isso, que não deixe esse tipo de violência crescer. Acho muito importante as pessoas estarem conscientes disso. Porque, para ser democrático, tem de ser pacífico. Tem de respeitar.
E se houver provocação do outro lado?
Mas não pode cair na provocação do MBL. Deixa ele xingar, até porque eles estão bem minoritários, né?