Seja qual for o resultado do julgamento do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sua sucessora no Planalto, Dilma Rousseff, estará em São Paulo no dia seguinte para a reunião do diretório nacional em que ele será aclamado candidato. Dilma não trabalha com outra hipótese que não seja a da candidatura de Lula, mesmo em caso de condenação. Diz que, com qualquer placar, há recursos ao próprio TRF4 e a instâncias superiores que permitirão a Lula conseguir o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Dilma, que vinha economizando nas entrevistas nos últimos meses, decidiu falar nesta semana que antecede o julgamento para reforçar sua convicção de que Lula é inocente e que o processo contra ele é apenas “a continuação do golpe que começou com o impeachment”.
Ressalvando que não é advogada, mas leu as opiniões de juristas de renome, sustentou que a denúncia do Ministério Público Federal é inconsistente e que o juiz Sergio Moro condenou Lula sem provas. Defendeu o direito de manifestação no dia 24 e disse que Lula, o PT e os movimentos sociais são os maiores interessados em que não ocorram incidentes:
– Nós não queremos guerra. Achamos que a indignação é pacífica e que ela é uma força de transformação e não de violência. Achamos que isso pode ser feito pacificamente. Aliás, tem de ser feito pacificamente. Se não, não está contribuindo para a democracia. A gente tem de alertar todo o pessoal a favor do Lula para a questão da provocação. Não só não entrar na provocação, mas não deixar que provocadores usem a boa intenção da manifestação para desencadear atos de violência. Se estiver alguém se manifestando ali, deixa se manifestar. Quero lembrar que nós nunca reprimimos manifestação contrária a nós, não temos essa trajetória. Uma porção de gente tem, nós não temos.
A ex-presidente conversou com GauchaZH por uma hora e meia em seu apartamento, no bairro Tristeza, acompanhada de uma assessora. No início da entrevista, pediu para não gravar em vídeo, indicando que se sentia mais à vontade para falar sem se preocupar com a postura diante da câmera. Quando o repórter fotográfico Félix Zucco comentou que já esteve na casa do ex-presidente uruguaio José Mujica, abriu um sorriso:
– Ele é uma pessoa incrível. Quando Lula me perguntou se gostaria de conhecê-lo, topei na hora. Lula perguntou por que ele tinha sido preso (à época da ditadura uruguaia), imaginei que ele ia dar uma resposta complexa, mas Mujica respondeu: “Porque não corri o suficiente”.
Mais de uma vez, usou as expressões “minha filha” e “minha querida”, como nos tempos em que era presidente. Disse que a corrupção na Petrobras é antiga e que só foi descoberta porque os governos dela e de Lula deram instrumentos à Polícia Federal e ao Ministério Público para investigar. Criticou a imprensa, o Judiciário e as reformas do presidente Michel Temer, que chamou de desmonte das políticas sociais dos governos do PT. Não poupou o sucessor, tratado como “presidente ilegítimo” e “executor das ordens” de Eduardo Cunha, o senador Aécio Neves, seu adversário em 2014, e o próprio Cunha, a quem responsabiliza por arquitetar o impeachment “em conluio com o PSDB, que não aceitava a quarta derrota consecutiva para o PT”. Do PMDB, preservou apenas o senador Renan Calheiros.
Cotada para concorrer na próxima eleição pelo Rio Grande do Sul, por Minas Gerais e até por Maranhão e Rio Grande do Norte, Dilma garante que ainda não decidiu se será candidata a deputada, a senadora ou a nada. A única certeza é de que, se concorrer, será por Minas, seu estado natal, ou pelo Rio Grande do Sul, que a adotou na juventude, quando casou com Carlos Araújo, companheiro de militância na clandestinidade, e onde viveu até assumir o cargo de ministra de Minas e Energia de Lula, em 2003. Ela fala de Araújo, que morreu em agosto do ano passado, com carinho e uma nota de emoção na voz:
– Nos separamos, mas ficamos grandes amigos. Ele gostava muito de mim.
Desde que deixou Brasília, afastada pelo impeachment, a ex-presidente divide seu tempo entre o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e as viagens nacionais e internacionais para participar de eventos políticos e acadêmicos. As próximas deverão ser para a Bélgica e os Estados Unidos. Descartou um convite para ir à Austrália, por achar que a viagem é muito cansativa. Em Porto Alegre, moram a filha, Paula, e os netos Gabriel, de sete anos, e Guilherme, de dois.
O apartamento do bairro Tristeza é uma moradia de classe média, decorada com livros e obras de arte. Ao lado do topo da escadinha em caracol que leva ao segundo andar da cobertura, Dilma conserva um tear com um trabalho começado em lã nas cores bege e azul. Não é peça de decoração: tecer é um dos hobbies da ex-presidente, que nas horas vagas gosta de ler e de ouvir música clássica.
– Tecer é uma forma de meditar. Consigo me desligar do mundo fazendo trabalhos manuais.
As paredes da saleta são cobertas por estantes com livros e CDs. É só uma parte do acervo. A biblioteca montada ao longo da vida está dividida em três endereços: a cobertura na Tristeza, o apartamento da mãe no Rio de Janeiro e um depósito onde estão guardados os objetos recebidos no tempo em que ocupou a Presidência da República. A ex-presidente se ressente da falta de um espaço para guardar esse acervo de forma adequada.
– Eu tinha minha biblioteca. Os livros e discos que levei para o Alvorada ganharam a mesma etiqueta dos presentes que recebi. Até uma sandália Havaianas tem esse selo. Não tem muito critério de catalogação.
Na mesma saleta com um sofá, três cadeiras e a escrivaninha, estão, atrás de um biombo, os aparelhos em que Dilma se exercita. Em uma das paredes, um relógio que ganhou no Uruguai, com o “Sur” no centro e que, como na Valsa Brasileira de Chico Buarque, “roda as horas pra trás”. Como nos tempos da Presidência, ela continua pedalando todos os dias e faz uma avaliação técnica das ciclovias: considera a da Avenida Beira-Rio uma das melhores do país.
– Em São Paulo, é impossível você andar. Corre o risco de ser atropelado. No Rio, é ótimo. Bem cedo, dá para ir do Leme ao Leblon sem interrupção. Mais tarde, o ritmo fica prejudicado porque é preciso disputar espaço com os banhistas e os carregadores de cadeiras, guarda-sóis, caixas de gelo e de cerveja. Na Lagoa, é muito bom. Dá para fazer duas voltas em 50 minutos.
As pedaladas matinais foram suspensas há 10 dias, porque precisou fazer uma cirurgia no maxilar e a dentista recomendou que evitasse esforços. Aproveitando as férias escolares, a avó está tentando ensinar o neto Gabriel a andar sem as rodinhas de apoio na bicicleta.