
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Antes de se tornar Papa, Francisco era Jorge Mario Bergoglio. Nascido em Flores, bairro de classe média de Buenos Aires, na Argentina, viveu na cidade portenha até o conclave que selou seu destino à frente da Igreja Católica.
Lá, era costumeiramente visto andando de metrô e conversando com moradores de rua. Não usava carro oficial — preferia o transporte público e caminhava muito. Na época, era conhecido por alguns como um "workaholic".
Em seu livro América Latina: Lado B, o jornalista Ariel Palacios, correspondente da GloboNews em Buenos Aires, traz relatos curiosos sobre a vida de Bergoglio antes de se tornar o Santo Padre.
Ávido leitor do jornal portenho La Nación, o cardeal Bergoglio recebia diariamente a edição do periódico em seu apartamento na cúria. Poucos dias após ser eleito Papa, já como Francisco, telefonou para a casa do seu fiel jornaleiro Daniel Delorenzo para avisar sobre seu novo "emprego" e que não poderia mais ser cliente da banca. E ressaltou que pagaria o mês que estava devendo.
Intervenção política
Bergoglio também se envolveu com política. Na ditadura militar argentina (1976-1983), ajudou, discretamente, vários perseguidos políticos a fugir do país. Em 2003, Bergoglio teve uma série de confrontos com o casal Néstor e Cristina Kirchner. O cardeal criticou o governo devido ao aumento da pobreza, corrupção e divisão social.
Em 2009, a disputa foi com o então prefeito portenho Mauricio Macri. O jesuíta, segundo Palacios, teria ficado furioso ao saber que Macri não havia recorrido da decisão judicial que permitiu o primeiro casamento gay na cidade. A tentativa de Bergoglio de dissuadir o prefeito, porém, não deu certo.
Em 2010, quando o Congresso argentino aprovou a lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo, o cardeal se posicionou contra o projeto. Sua visão, então conservadora, mudou ao longo dos anos: em 2013, ao ser questionado sobre casais homossexuais, o Papa respondeu: "Se eles procuram Deus, quem sou eu para julgar?"
Já em 2012, houve novo confronto com Macri, quando o prefeito anunciou a realização do primeiro aborto legal na cidade. No entanto, ele voltou atrás e proibiu a prática em Buenos Aires. Já como presidente, em 2018, Macri reabriu o debate sobre a legalização do aborto. Irritado, Francisco fez campanha ativa contra a medida. Em 2020, quando Alberto Fernández levou a proposta ao Congresso, o Papa telefonou a deputados e senadores para tentar impedir a aprovação, mas a lei foi sancionada.
Ariel Palacios também relata outras histórias, como a paixão de Francisco pelo futebol — especialmente por seu time do coração, o San Lorenzo — e seu senso de humor peculiar.