A cinco dias das eleições presidenciais dos Estados Unidos, o foco no lado republicano e no democrata, mais do que virar votos, é convencer que os eleitores saiam às ruas e compareceram às urnas. Além disso, a Pensilvânia será o Estado responsável pelo resultado do pleito eleitoral.
Essa são algumas das percepções do doutor em economia e gestão política e professor da Universidade George Washington, nos EUA, Maurício Moura, que conversou com a coluna.
Hoje, dia 31 de outubro, é possível falar quem vai ganhar as eleições?
Não. Impossível, principalmente a eleição presidencial. Lembrando que temos três eleições relevantes: a presidencial, que é um fato inédito, onde nos sete estados que são considerados decisivos, existe um empate na margem de erro das pesquisas. Em todos. Ou seja, não tem um claro favorito em nenhum deles. Do outro lado, na eleição do Senado, temos uma visão um pouco diferente, que os republicanos são favoritos a retomarem a maioria. Hoje os democratas têm 51-49, mas tem três eleições de defesas de cadeiras democratas no Senado que são muito difíceis. A primeira, que é uma perdida, é em West Virginia, e depois tem dois estados onde o Trump deve vencer, e tem dois democratas defendendo a cadeira, que é Ohio e Montana. Então, provavelmente, devemos ter um Senado republicano. A eleição da Câmara, que é também bastante disputada, tem 435 corridas, mas, na verdade, só 10% realmente são disputas, e os democratas são favoritos a ter uma leve maioria de cinco ou seis cadeiras, mas, como eu falei, a eleição mais indefinida é a eleição da Casa Branca.
A economia, professor, vai decidir a eleição? É o que pesa no bolso?
Isso é bastante polêmico, porque, por um lado, um dos motivos do governo do Joe Biden ser mal avaliado é a inflação. Obviamente os preços estão muito maiores do que estavam há quatro anos atrás, isso puxa a popularidade do governo federal para baixo. Por outro lado, quando olhamos dados históricos de desemprego e crescimento econômico, são dados que, em teoria, facilitariam a vida do governo atual. É um tema bastante único, e também tem as divisões regionais. Gente que mora em centros urbanos, escolarizado, de alta renda, tem uma visão da economia diferente de quem é menos escolarizado, que mora em cidades pequenas e médias. Aí começam as divisões e a polarização geográfica e econômica do país.
Chama a atenção o fato de que, depois de ter um presidente negro, que foi Barack Obama, agora tem uma mulher negra candidata, mas se observa rejeição em relação aos homens negros e hispanicos entre os eleitores democratas. Por que isso ocorre?
Em primeiro lugar, ela tem um desempenho melhor do que o Obama tinha entre as mulheres negras. Inclusive, talvez Kamala tenha o melhor desempenho entre as mulheres de qualquer candidato a presidente na história dos Estados Unidos, porque a diferença de gênero nas pesquisas é imensa, dados que eu nunca vi. Mas ela tem dificuldade com os homens afro-americanos, tanto é que a campanha dela tem feito um esforço muito forte para trazer esses homens para votar, e tem um grupo que não é que vai votar no Trump, tem um grupo que é indiferente, está arriscando ficar em casa, e tem uns poucos que mudaram de lado para o Trump, principalmente por causa da inflação, da economia, mas é um tema que ela está bastante aquém ainda, inclusive, do perfil de eleitores do Joe Biden de 2020. Em relação ao eleitorado latino, é bem mais complexo, porque é bem mais heterogêneo, mais volumoso. Os latinos hoje são a maior minoria nos Estados Unidos e existe um cálculo que daqui a 20 anos, provavelmente, eles vão ser quase 35% dos eleitores, e os latinos também divergem por questão geracional, por questão de tipo de migração. Mas o fato é que o Donald Trump de 2016 para 2020, agora as pesquisas corroboram isso, avançou no eleitorado latino, que está reproduzindo o que aconteceu com o eleitorado irlandês-americano e italiano-americano nos anos 50 e 60, que hoje ninguém se fala, eles começaram a entrar na sociedade americana, começaram a várias gerações votarem, e conforme isso avançou, eles começaram a basicamente reproduzir a curva de votos da sociedade como um todo, isso está um pouco acontecendo com o eleitorado latino, por isso que os republicanos estão avançando nesse eleitorado. Mas, por outro lado, é importante dizer também que nos últimos dias a fala do Madison Square Garden mexeu bastante com a comunidade latina e ainda estamos monitorando quais são os efeitos disso.
Quais são as fragilidades de Trump e de Kamala?
Os grupos frágeis do Trump são claramente os brancos com alta escolaridade e principalmente as mulheres. Trump vai muito mal no eleitorado femino, sempre foi mal inclusive, mas dessa vez a diferença é maior do que nos anos anteriores. E o Trump tem um problema com os independentes também, porque ele tem uma base muito ativa de eleitores, muito sólida, que provavelmente vai comparecer massivamente, só que ele tem dificuldade de avançar essa base, tanto é que quando olhamos os números do Trump hoje, eles são praticamente idênticos aos de 2020, e são muito similares ao de maio. Trump não melhorou estatisticamente na campanha, ele tem o grupo dele e tem dificuldade de avançar. A Kamala Harris tem uma oportunidade que ele não tem, porque ela tem uma rejeição menor, então o objetivo da campanha é fazer com que quem rejeita o Trump fique razoavelmente acomodado para votar nela, o problema é que ela está com um percentual menor entre os jovens do que o Biden em 2020, menor entre os afro-americanos. Está com um percentual menor entre os latinos, e principalmente os homens, ela vai muito bem entre as mulheres, tanto é que o resultado dela entre as mulheres é o que coloca ela no páreo.
Pensilvânia e a Georgia são os principais swing-states para se prestar atenção?
Isso se usar somente o critério do número de eleitores do colégio eleitoral, mas eu sou da teoria que a disputa maior vai ser na Pensilvânia. Acredito que a Georgia é mais republicana, e aliás a vitória do Biden em 2020 foi meio que um ponto fora da curva. A Georgia tem um governador republicano bem avaliado, é um perfil demográfico republicano, foi um comparecimento muito grande dos afro-americanos lá. Acho que a grande disputa é a Pensilvânia, porque do ponto de vista demográfico é um Alabama entre Pittsburgh e Filadélfia, então temos duas metrópoles muito democratas, e aí no meio do Estado é praticamente só republicano. Conversando com as duas campanhas, elas concordam em uma coisa: que os republicanos estão melhor posicionados para ganhar Arizona, Carolina do Norte e Georgia, e que os democratas estão bem posicionados para ganhar Wisconsin e Michigan, então temos dois lugares onde é muita incerteza até agora, que é Pensilvânia e Nevada, só que Pensilvânia tem muito mais votos, 19, então a minha leitura, bastante em linha com as duas campanhas, é que quem ganhar a Pensilvânia provavelmente vai ganhar a eleição.
Uma percepção que se tem é que Kamala e Tim Walz empolgaram no começo da campanha, mas depois virou algo "morno". Qual a percepção aí de Washington?
Com certeza, porque é difícil você manter o nível de empolgação. Ela foi lançada, não participou nas primárias, e em seguida tivemos também a Convenção Democrata, então um período bastante positivo. Depois entrou a campanha, e lembrando que é muito difícil concorrer com o Donald Trump, isso sempre foi, porque o Donald Trump tem uma grande capacidade de pautar a dinâmica, a narrativa e as conversas das eleições. E esse período em que ela foi lançada, foi um período em que ele não exerceu esse protagonismo, depois isso voltou, e aí voltou uma disputa como sempre foi, o Donald Trump pautando e os democratas tendo que adaptar. Agora, por outro lado também, ela conseguiu angariar de cara aqueles eleitores que não gostavam do Trump, mas estavam desconfortáveis de votar no Biden. A partir disso, começou a ficar muito mais complexo qualquer tipo de crescimento, tanto é que está idêntica também ao começo de setembro, tudo variando na margem de erro, por isso que faz essa eleição bastante imprevisível, porque os dois candidatos passaram pela campanha basicamente com os mesmos números.
O senhor falou que sempre é difícil concorrer contra o Trump, mas quais são as principais diferenças dessa eleição de 2024 para as outras?
Acho que a 2016 era uma eleição mais favorável para o Trump porque ele era o outsider, e não tinha nenhuma referência dele como gestor, como governante, simplesmente fazia o papel fora da política e isso foi fundamental para a vitória dele em 2016. Em 2020 ele perdeu porque o governo dele era mal avaliado, assim como o governo do Biden hoje tem mais ou menos o mesmo percentual de avaliação que o Trump tinha em 2020. Agora é uma eleição meio complexa, porque é uma ao mesmo tempo sobre o julgamento da gestão Biden-Harris, com a continuidade ou não, e também é uma eleição se você quer o Trump de volta ou não. Justamente esse embate de narrativas que faz essa eleição ser tão imprevisível, porque em 2020 a narrativa era óbvia, você quer o Trump mais quatro anos ou não? Em 2016 o Trump era a oposição, era o diferente, era o outsider, então era diferente do que está aí. Esse ano não, esse ano o Trump é um animal bastante conhecido, e o que está dividindo o eleitor é se essa eleição é sobre a continuidade ou não do governo atual, ou se é a volta ou não do Trump.
Há sinais de que o Trump pode reivindicar a vitória antes do final da eleição, isso traz os fantasmas de 6 de janeiro de volta. O senhor acha que pode acontecer mesmo? Há esse temor?
Tem duas escolas de pensamento aqui em Washington. A mais otimista, de que se ele perder ele vai ficar quieto, vai sumir, porque é bom lembrar que na segunda metade de novembro tem a sentença dele em Nova York, então ele fazer muita confusão às vésperas da sentença seria contra produtivo, essa é uma corrente mais otimista. A corrente mais pessimista, eles estão se preparando para contestar todos os resultados, com uma estrutura jurídica e de mobilização de pessoas grande para não aceitar o resultado, e vemos viver um caos, porque, como vocês sabem, os resultados vão ser apertados. Quem trabalha com o Trump que eu converso, não opera com má notícia. Ele não gosta de alguém dizer para ele que ele perdeu, que ele está perdendo, então ele só vai operar com boa notícia. Se perdeu é porque teve fraude, essa é a linha de pensamento.
Faltando cinco dias, qual o foco dos candidatos?
As duas campanhas não estão gastando nem um tempo de convencer pessoas a mudar de lado de voto, basicamente o que vemos é uma operação que eles chamam aqui de get out to vote, que é de fazer as pessoas saírem de casa para votar, é uma operação enorme de mobilização, lembrando que nos Estados Unidos não tem as restrições de ajudar os eleitores a irem até o local de votação como tem no Brasil. Os dois lados estão numa operação enorme de fazer as pessoas saírem de casa para votar, porque basicamente o que vai decidir essa eleição. Temos aí as celebridades dos dois lados, do lado do Trump o Elon Musk pilotando o X para ajudar na campanha republicana e claramente uma constelação de artistas do lado democrático.
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