O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Um dos mais importantes constitucionalistas da atualidade, o professor emérito de Direito Público da Faculdade de Direito da Sorbonne, Universidade de Paris 1, Dominique Rousseau esteve em Porto Alegre na sexta-feira para um palestra na Procuradoria Geral do Estado (PGE-RS). Ele conversou com a coluna sobre democracia, política e o Judiciário.
Como o professor avalia atualmente a democracia contemporânea e as ameaças ao redor do mundo?
Existem cada vez menos países que vivem na democracia no mundo. A Eslovênia, a Eslováquia, na África, em todos os lugares do mundo, há uma diminuição do espaço democrático. A perspectiva da eleição de (Donald) Trump nos Estados Unidos mostra ainda que há um risco de reduzir novamente o espaço democrático também na América Central. Em todos os continentes, não há simplesmente um, em todos há um declínio do ideal e da prática democrática. Ou seja, a existência e a possibilidade de uma eleição dele que também influenciaria nessa diminuição. Mas a diminuição não é só europeia, não só na América do Sul, também na África, é em todos os lugares.
Observamos locais do mundo a extrema direita ao poder. É algo generalizado ou local? Qual a perspectiva daqui para frente? Pode ser uma ameaça à democracia?
Há pessoas que se abstêm porque a política não lhes interessa, há as que o fazem porque não há partido político que lhes convenha e há, ainda, as que não consideram o voto como o único ato cidadão.
Há uma tendência ao populismo, ao autoritarismo, à extrema direita, inclusive na França, com Marine Le Pen. Há essa tendência em todos os continentes. E, à frente, também se tem uma mobilização muito forte dos cidadãos para que a democracia continue. As mulheres se mobilizam para conquistar novos direitos, como ao aborto. Os jovens se mobilizam para a proteção do planeta. Tem-se, atualmente, duas tendências: uma na direção de mais autoritarismo e menos democracia. E, outra, no sentido contrário, de cidadãos e sociedades se mobilizando por mais democracia, sua renovação e direitos. Estamos em um momento incerto. Quem vai ganhar? Será a tendência populista ou a democrática? Não sabemos. Há momentos positivos: por exemplo, a eleição de Lula no Brasil, que mostra que o futuro é possível para a democracia. Na Polônia, os populistas foram batidos nas eleições e há agora um governo democrático. Estamos esperando os resultados dos EUA. Se Kamala (Harris) for eleita, será um bom sinal para a democracia. Mas estamos em um momento incerto de luta entre essas duas tendências. Quem vai ganhar? Não tenho bola de cristal.
As eleições municipais do Brasil mostraram uma forte abstenção, inclusive em Porto Alegre. Há uma descrença na política e na democracia?
Há várias categorias de abstenção. Há pessoas que se abstêm porque a política não lhes interessa, há as que o fazem porque não há partido político que lhes convenha e há, ainda, as que não consideram o voto como o único ato cidadão. Podemos exercitar a cidadania participando de lutas sociais, aderindo a uma associação, a organismos que vão lutar pelo respeito ao ambiente, participando de conselhos. Ou seja, hoje, ao contrário do passado, o voto é menos considerado como o único ato que expressa a cidadania. Podemos ser cidadãos aderindo a um sindicato, a uma associação, lutando pelo reconhecimento de tal direito. É também uma das explicações para essa abstenção. Alguns cidadãos consideram que votar não serve para nada. Para esses, é melhor participar de associações, de sindicatos e de lutas para obter satisfação.
O senhor estuda a legitimidade dos poderes e há no mundo, e em específico no Brasil, uma descrença no Judiciário. O que leva a isso?
Essa desconfiança existe também na França e nos EUA. Não é apenas um problema brasileiro. Aparece em todos os continentes. Depende do modo de recrutamento dos juízes, da nominação, da formação, da responsabilidade, da ética, da forma de produzir uma decisão judicial. Eu fui professor e membro na França do Conselho Superior da Magistratura. E então, eu pude ver como a confiança da opinião pública depende de todos esses critérios.
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