Logo após os atentados em Israel, em outubro do ano passado, ouvi muito, naqueles dias no Oriente Médio, como enviado do Grupo RBS para cobrir a guerra, sobre a "teoria do ensanduichamento". Para muitos, o massacre do Hamas nas franjas da Faixa de Gaza, dentro do território israelense, seria apenas o ponto inicial de um operação mais complexa, que incluiria, pela fronteira Norte, o avanço do Hezbollah, e um levante das massas palestinas da Cisjordânia. Assim, o território que conhecemos como Israel seria "ensanduichado" por todos os lados - espremido, sob o terror, contra o Mar Mediterrâneo.
Caso se confirmasse essa hipótese, constituiria-se uma ameaça existencial a Israel. Ou seja, o país poderia, de fato, deixar de existir.
Não foi o que ocorreu - e talvez jamais saibamos se esse era o real plano do Hamas e Hezbollah, meros braços armados da cabeça intelectual do esquema todo, o Irã. O fato de a guerra ter se concentrado em Gaza, contudo, não significa que o front Norte estivesse pacificado. Ao contrário. Em outubro, nos dias seguintes ao massacre em Israel, foi na fronteira com o Líbano que testemunhei algumas das cenas mais perigosas. Nos vilarejos fantasmas, muito próximo do muro que separa os dois países, fiquei no meio do fogo cerrado de artilharia israelense, enquanto, do outro lado, choviam foguetes do Hezbollah. Até hoje cerca de 100 mil moradores naquela região não voltaram.
O episódio dos pagers, utilizados como armas na semana passada para eliminar membros da guerrilha, eleva o confronto no Oriente Médio a um novo patamar. Ocorre às vésperas do aniversário de um ano dos atentados de 7 de outubro de 2023, quando cresce a pressão sobre o governo de Benjamin Netanyahu, que não só fracassou ao não proteger Israel naqueles dias, como, quase 365 dias depois, ainda não cumpriu a promessa de trazer os reféns de volta - aliás, muitos, retornaram mortos. Na mente de Netanyahu, nada melhor para desviar a atenção do que lançar foco sobre um novo velho front. Não se surpreenda se o ataque dos pagers for apenas a ação inicial de uma invasão por terra do Líbano, um país soberano, sob o argumento de neutralizar, de vez, os terroristas do Hezbollah.