São 14h8min (8h8min em Brasília). Ao pé do morro, no vilarejo de Shlomi, município de 7 mil habitantes, observo o muro de concreto que serpenteia as colinas de vegetação rasteira. A estrutura demarca a fronteira entre Israel e Líbano.
Fica até difícil definir de que lado fica um e outro país. Do lado de cá, Shlomi, Israel, é uma cidade fantasma. É um dos 28 vilarejos do Norte evacuados pelas forças israelenses depois que o Hezbollah, milícia libanesa classificada como terrorista por Israel, União Europeia e Estados Unidos, intensificou os ataques com foguetes contra o território israelense.
Além da retirada das populações, Israel bloqueou o GPS a fim de atrapalhar a navegação dos mísseis do grupo extremista. Chegar até aqui, como repórter, exige, além de superar algumas barreiras policiais, recorrer ao método antigo: o mapa de papel. Trinta minutos depois do centro de Haifa, a maior cidade do norte de Israel, o Waze, aplicativo de navegação criado por uma empresa israelense, acusa a falta de sinal. Abro a mochila e aposto no mapa.
GZH chega a Shlomi após percorrer 140 quilômetros desde Tel Aviv. O vilarejo, ao sopé das colinas, está deserto. Circulo por cerca de 20 minutos sem encontrar uma alma viva sequer.
Observo residências grandes, algumas luxuosas, e carros particulares estacionados na frente, indicando que muitos moradores podem ter sido retirados de ônibus disponibilizados pelo governo. Faz silêncio ao redor. De um belvedere, observo no alto das colunas postos de observação e antenas de comunicação. Tudo parece tranquilo, e decido avançar para mais próximo do muro, que demarca a chamada Blue Line.
A Linha Azul foi definida como fronteira em 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU), depois da guerra dos anos 1980, um dos confrontos mais sangrentos da história do Oriente Médio e que deu origem ao Hezbollah. No local, uma força de capacetes azuis da ONU, a Unifil, foi estabelecida, mas, diante das animosidades dos dois lados, dificilmente consegue controlar violações do limite.
Tanto que, em 2006, combatentes do Hezbollah infiltraram-se em Israel e sequestraram dois soldados. Por 33 dias, Israel bombardeou o Líbano, incluindo Beirute, e invadiu, por terra, o país vizinho. O resultado: 165 mortos de Israel mais de mil no lado libanês. Os dois soldados foram devolvidos anos depois. Dentro de caixões.
Meu avanço de carro segue pela cidade fantasma. Chego a 300 metros da fronteira intransponível para civis. No caminho de retorno, encontro, mimetizado pelo verde de um bosque, o acampamento do exército israelense, com retroescavadeiras e blindados estacionados. O oficial que vem falar comigo, surpreso com a presença de um repórter, diz apenas que não serão permitidas fotos nem qualquer tipo de conversa. Agradeço e, antes de entrar no carro, ouço do militar:
— Esteja seguro.
Retorno ao belvedere com a intenção de entrar ao vivo no programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, a partir dali. Mas ouço, ao fundo, tiros de fuzil. As montanhas e vales da região, um lugar lindo, por sinal, amplificam o barulho. Fico alerta. Cinco minutos depois, identifico disparos de artilharia mais próximos. Possivelmente, são de Israel a fim de posicionar o equipamento e dissuadir o inimigo.
Mas o estrondo se repete. E parece mais perto. Aborto a missão de entrar ao vivo dali. Não há segurança. O boletim é feito a 10 quilômetros de distância desse local, ao Sul, em segurança.
Até alguns dias atrás, uma reportagem do The New York Times informava que moradores de Shlomi entravam e saíam correndo das poucas lojas que permaneciam abertas. A cada estrondo, os olhos subiam em direção ao céu, dizia o texto. A atmosfera estava cheia de medo. Hoje, como GZH testemunha, não há mais ninguém.
Os vilarejos ficam tão próximos uns dos outros que é difícil identificar quando se está em um ou outro. O Hezbollah assumiu, por exemplo, a responsabilidade por disparar um míssil antitanque contra uma posição militar israelense em Arab Al Aramshe, uma vila fronteiriça beduína israelense no oeste da Galileia. Aviões israelenses responderam destruindo um posto de observação da guerrilha. Ao anoitecer, sirenes soaram ao longo de toda a fronteira norte, em meio a rumores de enxames de drones entrando no espaço aéreo israelense, deixando todo o país nervoso.
No trágico 7 de outubro, houve um apagão de segurança e de inteligência em Israel que até hoje os israelenses tentam compreender. O mais tecnológico país do mundo, que investe milhões do orçamento em defesa, até imaginava que poderia haver um atentado terrorista como aquele, com chuva de foguetes inimigos seguido da infiltração de combatentes árabes, invadindo casas e matando sua gente.
Mas a expectativa era de que a próxima guerra de Israel começaria aqui, na fronteira com o Líbano. As autoridades de segurança têm alertado há anos que o Hezbollah, apoiado e armado pelo Irã, como o Hamas, teria armazenado milhares de foguetes e mísseis. Ao longo dos anos, Israel investiu no reforço das defesas da fronteira Norte, construindo o muro e escavando trincheiras. Quando estive aqui, em 2006, por exemplo, sequer Israel havia desenvolvido o Domo de Ferro, que intercepta mais de 95% dos foguetes lançados por inimigos.
Mas ninguém imaginava que o massacre partiria da Faixa de Gaza, o diminuto território cuja fronteira com Israel é monitorada 24 horas por dia. Era no Norte, do Líbano, que ex-militares com os quais GZH conversou apostavam em uma ação mortífera como aquela. O Hezbollah tem efetivo, treinamento, poder de fogo e tecnologia três vezes superior ao do Hamas. Certamente, tramava algo do tipo. Os extremistas palestinos, tudo indica, se anteciparam em tirar do papel o plano sanguinário.