Horas depois de Israel sofrer o maior atentado terrorista de sua História, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu eliminar, para sempre, o Hamas. Nesta segunda-feira (16), entramos, aqui no Oriente Médio, no 10º dia desde aquele sábado trágico, e Israel vive um dilema: invadir ou não, por terra, a Faixa de Gaza.
A última vez que isso ocorreu foi em 2014. As perdas humanas dos dois lados foram imensas.
Israel sabe que não conseguirá vencer o terrorismo - os EUA não conseguiram com o Talibã, o regime fundamentalista islâmico que foi derrotado no campo de batalha pela Aliança do Norte, apoiada pelos americanos, mas que voltou a exercer o poder no Afeganistão em 2021, 20 anos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. A Al-Qaeda, de Osama bin Laden, sofreu um duro golpe, o Estados Islâmico (EI) teve suas principais cabeças cortadas, mas suas ideologias permanecem vivas - e suas células adormecidas, prontas para novos ataques a qualquer momento. São causas. E causas, ainda que de morte e terror, não morrem.
Dificilmente o Hamas irá acabar com a invasão de Gaza - seu líder, aliás, mora no Catar, o país da Copa do Mundo, bem distante dos mísseis israelenses e da população palestina.
O problema é que Netanyahu prometeu acabar com o grupo terrorista. E, agora, não pode recuar sob pena de perder aquilo que mais lhe apetece na vida: o poder.
Há uma sensação, aqui em Tel Aviv, de que o governo estaria demorando muito para cruzar a cerca de Gaza, no caminho inverso daquele que os terroristas do Hamas, no fatídico 7 de outubro, fizeram com relativa tranquilidade - e muito treinamento e dinheiro do Irã. Enquanto isso, milhares de soldados estão sendo concentrados nas franjas da Faixa de Gaza, exercendo a pressão que é característica de um grande exército. Aguardam apenas a ordem política para a invasão.
Mas o fato é que Netanyahu tem mais razões para não seguir adiante do que para realizar a empreitada, de alto custo político.
O primeiro desafio na mesa é a guerra urbana, pavor de qualquer estrategista militar. A luta casa a casa, em que os soldados invasores ficam vulneráveis a armadilhas e na qual o inimigo é uma figura difusa, podendo ser facilmente confundido com um civil, é um dos dilemas. A ação pode resultar em cenas dantescas, que nem palestinos, nem israelenses, nem o resto do mundo vão querer ver.
A guerra irregular tem disso, torna qualquer ser humano, homem ou mulher, criança ou adulto, um inimigo em potencial.
Segundo: o medo de uma guerra em duas frentes. A reação do Hezbollah libanês já começou no Norte. Israel teria capacidade de lutar na Faixa de Gaza, no terreno, "bots on the grounds", como dizem os militares ,e abrir outra frente no Norte? Tenho dúvidas. O Hezbollah é maior, mais velho, mais forte e mais organizado do que o Hamas.
Mais: se essas duas frentes de fato ocorrerem, como Irã e Síria reagiriam?
Os sinais não são bons. O Irã dos aiatolás diz que todos os "atores estão com o dedo no gatilho", e a Síria, com a qual Israel tem litígio de fronteira devido à ocupação das Colinas de Golã, acusa a aviação israelense de ter atacado dois de seus aeroportos. Israel nega. Mas basta um estopim mais forte para entrarem no conflito.
A reação da Cisjordânia, em caso de invasão da Faixa de Gaza, é imponderável. Se houver uma revolta no território palestino, os israelenses teriam um problema não em uma ou duas frentes, mas em três pontos geográficos: no Sul, no Norte e no Leste.
Também há de se pontuar o apoio que o governo Netanyahu tem, internacionalmente, para uma invasão por terra. Já foi maior, no início da crise, mas esse capital político, aos poucos, vai arrefecendo. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse no domingo (16), ao programa "60 Minutes", da CBS, que seria um erro uma ocupação por terra. À medida que o tempo passa, a comoção internacional com os massacres no sul de Israel vai diminuindo - e Bibi, como é conhecido o premier, vai perdendo legitimidade.
Aliás, o próprio Bibi não é unanimidade interna. Longe disso. Antes da tragédia do dia 7, ele era muito questionado - tanto que Israel viveu, nas semanas anteriores aos ataques, grandes manifestações nas ruas contra sua tentativa de interferência no Judiciário. Os israelenses se uniram diante da tragédia. Mas, em sua maioria, eles culpam Bibi pelo apagão de segurança que permitiu a invasão.
Além disso tudo, se uma invasão por terra já é uma tática muito difícil de ser executada, imagine fazer isso tendo 199 reféns do seu país no território a ser invadido. Se a cada quadra que o exército israelense avançar em Gaza o Hamas matar um refém, acabou a operação. O governo será aniquilado pela opinião pública nacional e internacional.
Uma palavra a mais sobre a opinião pública internacional: à medida que o drama humano na Faixa de Gaza, onde faltam combustível, comida e remédios, aumenta, Bibi vai experimentando as dificuldades desse dilema. O tempo está contra ele.