Em uma mesma foto horizontal é possível enquadrar alguns dos lugares religiosos mais simbólicos de boa parte do mundo, em Jerusalém: o Muro das Lamentações, a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha. A imagem, registrada a partir do bairro judaico, resume também a complexidade do problema, que no fundo, com diferentes nuances e teias, é a raiz dos conflitos entre israelenses e palestinos.
Dois lugares sagrados para judeus e muçulmanos ficam praticamente em cima um do outro. O Muro das Lamentações, relíquia do que sobrou do segundo Templo de Jerusalém, é o local mais sagrado do judaísmo.
Logo acima dali, fica a Esplanada das Mesquitas, onde está localizada a Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar mais santo para os muçulmanos e de onde, segundo essa fé, Maomé subiu ao céu. Aliás, os judeus chamam a Esplanada das Mesquitas (Al Haram Al Sharif, Nobre Santuário, para o Islã), de Monte do Templo. Percebeu o quão complexa é a questão de Jerusalém? Com sua famosa cúpula dourada, o Domo da Rocha é o terceiro elemento da foto e ponto emblemático da cidade.
Não há como compreender as guerras entre os dois povos sem discutir Jerusalém, a cidade sagrada para as três grandes religiões monoteístas — além de judeus e muçulmanos, também para os cristãos que testemunharam ali a Via Dolorosa, a morte e a ressureição de Jesus Cristo.
Na partilha da antiga Palestina, em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu dois Estados - um judeu e outro palestino -, com Jerusalém como cidade internacional. Na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel capturou da Jordânia a parte leste (Oriental) da cidade. Ali, fica a Cidade Velha, justamente a área murada onde estão essas relíquias.
A recuperação da soberania sobre a região onde fica o Muro das Lamentações é motivo de orgulho para os israelenses. Mas o problema é que logo ali acima está também a Esplanada das Mesquitas e… Al-Aqsa. Além disso, Jerusalém Oriental, hoje ocupada por Israel em uma ação ilegal, segundo o Direito Internacional, é defendida pelos palestinos como a capital de seu futuro Estado.
É tudo tão pequeno do ponto de vista geográfico que vale a comparação: a Cidade Velha, onde ficam os monumentos, tem 0,9 quilômetro quadrado. É o equivalente a três vezes a área do Parque Farroupilha, a Redenção, em Porto Alegre.
Uma visita provocou Intifada
Claro que há o problema dos refugiados palestinos e as outras áreas ocupadas por Israel em 1967 (as Colinas de Golã, por exemplo, reivindicadas pela Síria), mas o status de Jerusalém é central nas crises entre os dois povos: na atual e em todas as outras.
Em 2000, por exemplo, a simples visita do então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, provocou a segunda Intifada (revolta palestina), uma guerra civil que deixou cerca de 4 mil mortos (3 mil palestinos e mil israelenses). Em 2017, o governo Donald Trump provocou polêmica com as nações árabes ao transferir sua embaixada para Jerusalém - movimento que o governo Jair Bolsonaro ensaiou, mas recuou, em 2019. A alteração significa reconhecer a Cidade Sagrada como capital de Israel, que a considera una, santa e indivisível.
No massacre de israelenses e estrangeiros em dia 7 de outubro passado, o grupo terrorista Hamas intitulou a ação de invasão do território israelense de Operação Tempestade de Al-Aqsa, em referência à mesquita sagrada de Jerusalém. Volta e meia, restrições de acesso por parte de Israel aos palestinos à Esplanada das Mesquitas, para as orações do meio-dia, gera confrontos com a polícia. Desde os ataques do dia 7, Israel tem imposto novas restrições ao acesso, permitindo apenas um número limitado de fiéis no complexo.
No sábado, GZH não conseguiu acessar o local. No caminho do Muro das Lamentações, nada mudou: judeus continuaram podendo fazer a oração no local, embora poucos tenham comparecido. GZH pode ter acesso com tranquilidade ao local. A segurança estava reforçada.
As sirenes, a nova guerra e a fuga de turistas fizeram cair a quase zero o número de peregrinos. GZH passou o sábado na Cidade Velha. Normalmente apinhadas de gente, as ruelas estavam vazias, comerciantes dos distritos árabe e cristão reclamavam ou, simplesmente, se resignavam com jogos de cartas. Um dos vendedores, próximo ao Santo Sepulcro, ao receber o pagamento em cartão de crédito, pediu dinheiro.
— Precisamos de dinheiro vivo para caso de guerra — afirmou.
No local em que, segundo os cristãos, o corpo de Jesus foi depositado e ele ressuscitou três dias depois, não havia sequer fila para visitar o lugar sagrado. Apenas o número de militares e policiais com fuzis em punho era maior do que o normal.
No sábado (14), ouvi de uma israelense:
— Vá tranquilo a Jerusalém. Lá, não cai bomba.
Atacar a Cidade Santa de judeus, muçulmanos e cristãos, obviamente, seria uma afronta monumental.
— Mas, até o dia, 7 terroristas também não entravam em Israel — ponderei.
Como a maioria dos israelenses, os moradores de Jerusalém foram acordados às 6h30min naquele sábado macabro. As sirenes, que não soavam há 50 anos na Cidade Sagrada, voltaram a emitir seu grito.
— Foguetes? Em Jerusalém? — pensaram.
Houve pelo menos 10 feridos, dois gravemente, em áreas dos arredores da cidade. Ao contrário de Jerusalém, certezas não são eternas no Oriente Médio.