Não é de hoje que o conflito entre israelenses e palestinos é instrumentalizado pela direita e pela esquerda brasileiras.
O caso mais recente, que transbordou para uma crise diplomática entre Brasil e Israel, foi a declaração do presidente Lula, no final de semana, comparando a ação militar israelense em Gaza ao extermínio de judeus pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
À esquerda ou à direita, a importação do conflito tem potencial para macular um vínculo histórico entre Brasil e Israel, que remonta, no caso dos judeus, à chegada dos primeiros migrantes, muitos deles fugitivos de perseguições na Europa, no início do século 20. Ao longo de décadas, as relações entre brasileiros e judeus foi se consolidando, principalmente a partir da criação do Estado de Israel, que teve o gaúcho Oswaldo Aranha como elo fundamental.
Nos últimos anos, uma associação entre a direita e setores evangélicos, que no Brasil passaram a ter voz relevante no Congresso, formando uma base importante de apoio ao então presidente Jair Bolsonaro, acrescentou um ponto ao tema. Bolsonaro, a pretexto de uma aproximação com o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e, internamente, apropriando-se de símbolos judaicos e israelenses a seu favor junto ao eleitoral religioso, passou a aproveitar-se dessa relação estratégica.
Ainda candidato, ele prometeu transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém - o que seria um reconhecimento à Cidade Sagrada como capital de Israel, status questionado pela comunidade internacional. A mudança acabou não se confirmando - apenas um escritório de negócio foi aberto -, após pressão de países árabes, que mantêm, por sua vez, relações comerciais relevantes com o Brasil.
Também na campanha, Bolsonaro dissera que fecharia a embaixada palestina em Brasília, inaugurada em 2016. A promessa, de novo, não se confirmou. O governo brasileiro reconhece a Palestina como Estado desde dezembro de 2010, durante o governo Lula.
A apropriação de símbolos do judaísmo por igrejas evangélicas ou o uso da bandeira israelense em manifestações bolsonaristas são vistas com desconforto por boa parte da comunidade judaica. Judeus laicos, de centro ou de esquerda, incomodam-se com o uso político de suas tradições.
No ano passado, o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine participou de uma reunião na Câmara dos Deputados em que Bolsonaro, já como ex-presidente, também compareceu.
No caso da esquerda, muitos consideram os governos petistas "anti-israelense". Alguns trazem na memória imagens de Lula abraçado ao ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, conhecido por negar o Holocausto e que chegou a sugerir que "Israel deveria ser jogado no mar".
Logo, a crise deflagrada agora a partir das frases do brasileiro na Etiópia também não é o primeiro episódio de mal-estar entre Lula e Israel. O PT tem uma aproximação histórica com a causa palestina e, por vezes, críticas aparecem de forma velada. Em 2010, por exemplo, Israel convidou Lula a visitar o túmulo de Theodor Herzl, o fundador do sionismo. O presidente negou. Apesar disso, Lula foi ao Museu do Holocausto, ocasião em que declarou ser "quase obrigatória" a qualquer chefe de Estado no mundo. Depois, ele se encontrou com representantes de entidades civis israelenses e palestinas.
Mais recentemente, na primeira semana após os ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023, Lula e o PT não classificaram as ações como terroristas, algo que também foi criticado por judeus brasileiros.