Em entrevista à coluna, o gerente de Planejamento dos Portos RS, Fernando Estima, garantiu que foram cumpridas todas as certificações no embarque da carga de 19 mil cabeças de gado no navio envolvido no incidente na África do Sul.
O navio Al Kuwait deixou o Porto de Rio Grande em 9 de fevereiro com destino ao Iraque. Depois de cerca de 6 mil quilômetros percorridos, ao atracar na Cidade do Cabo, no dia 18, para reabastecimento de ração, a embarcação foi abordada por autoridades de saúde da África do Sul devido ao mau cheiro. O odor impregnou o centro da cidade turística.
Estima afirma que o Porto de Rio Grande cumpre as mais rígidas normas para embarque de gado vivo. Para evitar incidentes como o acontecido na África do Sul, o representante da autoridade portuária garante que Rio Grande não recebe escalas de navios com carga viva, como aqueles que foram embarcados no Uruguai ou na Argentina. Os embarques só ocorrem com navios vazios. "Quando a embarcação chega ao destino, obviamente, se o vento estiver a favor ou contra da cidade, vai haver problema de odor. É um desconforto grande, um incômodo desnecessário para a sociedade", justifica.
Confira a entrevista
O que o senhor sabe sobre as condições do navio que saiu de Rio Grande transportando 19 mil cabeças de gado?
A Portos RS - Autoridade Portuária faz a administração de terminais, e as operações são de cada um dos donos das cargas. Nós nos preparamos pelo lado brasileiro a cumprir as mais rígidas normas para exportação de gado vivo. Normalmente, exporta-se o gado e a ração junto, para que o animal, depois, no confinamento, vá sendo abatido, de acordo com a necessidade de cada destino. Isso ocorre porque, nesses destinos, não há o que existe no Brasil, a logística de refrigeração de carne. Esse gado vai crescendo e sendo abatido de acordo com a capacidade de consumo.
O Brasil exporta proteína em carga refrigerada, suínos, frango, mas também exporta gado vivo para mercado da Turquia, Emirados Árabes, onde não há qualidade de refrigeração. Não é ruim para o produtor pecuarista, além de fornecer matéria-prima para os frigoríficos dentro do Brasil, ter a possibilidade de vender para essa outra oportunidade. Isso aumenta a competitividade, e pode dar ao produtor condições de preços mais favoráveis.
Como esse gado é embarcado?
Antigamente, o porto fazia o embarque em um terminal no cais público, muito dentro da cidade. Retiramos essa operação dali e passamos para o superporto, um pouco mais distante. Também criamos regras: não embarcamos gado em navios que venham com animais do Uruguai e da Argentina, por exemplo, que passariam aqui para complementar a carga. Não fazemos, porque é óbvio que o gado vivo dentro de um navio vai defecar, e esse resíduo vai ficar acumulado. Quando a embarcação chega ao destino, obviamente, se o vento estiver a favor ou contra da cidade, vai haver problema de odor. É um desconforto grande, um incômodo desnecessário para a sociedade. Mas não há poluição ou contaminação aérea, e sim um desconforto. Não tem nada a ver com bicho morto. Imagine um navio que demora 10 dias para atravessar (o oceano). Ao chegar lá, vai estar com odor. Tanto que a gente não aceita aqui.
Como é feita a fiscalização sobre as condições dos navios?
Não entra navio aqui que não esteja certificado, nos padrões adequados internacionais. Não é só para gado. Temos critérios: não embarca se não tiver garantia de certificação internacional. Porque o navio pode encalhar, naufragar no meio do canal e nos causar um problema. Serve para navio de soja, de toras de madeira, de contêineres. Os navios que entram no porto de Rio Grande têm de estar certificados, ter controle da Marinha e seguro internacional. Não entra, se não estiver nessas condições. As características aqui estão super elevadas: Ministério da Agricultura, Receita Federal, Polícia Federal. Há movimentos, que também são legítimos, de quem não concorda que se transporte animais vivos. Tem toda outra parte da sociedade, que discute se os animais devem viajar dessa forma. Tem toda uma pauta que vai além da minha alçada.
O navio, então, entra vazio no porto e recebe a carga?
É isso, a carga raramente vem de um único cliente. Normalmente, as áreas de confinamento que estão aí postas no Estado acumulam compras de gado. É como exportar um navio de soja: compra de vários produtores, bota em um local e prepara para exportação. Gado é da mesma maneira: você compra de várias áreas, coloca em uma área de confinamento e prepara a logística de caminhão para colocar no navio: 9 mil, 15 mil cabeças de gado.
Em que momento o Ministério da Agricultura faz a inspeção?
A todo momento: no confinamento, no transporte até o navio, pré-navio, navio, até exportar. É muito rigoroso. Antigamente, dava-se choque nos animais antes de embarcá-lo. Não tem mais nada disso. Há todo um controle da saúde animal até para que ele chegue com a qualidade certificada com que saiu daqui.
Quantos dias demora para o embarque?
Três, quatro dias. Depois, tem o tempo de viagem, que pode chegar a 10 dias.
Então, o senhor considera um incidente normal o que ocorreu na África do Sul? O vento bateu, e a cidade passou a sentir o odor?
É isso. Fui checar. Minha preocupação era se o Ministério da Agricultura havia registrado alguma coisa, se havia morrido algum volume de animais. O Ministério da Agricultura pode nos dizer: há altíssimos cuidados com a certificação das áreas de confinamento. O tempo de transporte é regulado. O embarque é regulado. As condições do navio são reguladas. O lado brasileiro tem as melhores condições possíveis. Agora, realmente, um navio que chega em uma costa... Aconteceu em Rio Grande, de ter um vento contra. Tanto que paramos com esses navios que chegavam com carga do Uruguai exatamente por esse risco. Repito: não há nenhum dano de saúde, mas é um desconforto desnecessário. A sociedade não tem que suportar isso.
Onde os animais ficam confinados até o embarque?
Há várias áreas: São Lourenço, Rio Grande, Pelotas. Elas devem ficar em um raio de atuação mais confortável inclusive para a logística mais rápida. Para não demorar muito tempo para o embarque.