Pouco interessa, fora das fronteiras brasileiras, o que Lula diz ou pensa sobre a guerra entre Israel e Hamas. Basta olhar os jornais internacionais para perceber que a imprensa global praticamente ignorou a infeliz comparação que o presidente fez entre a ação israelense em Gaza e o Holocausto. Esse foi um tema doméstico - em Israel e no Brasil - ou, no máximo, das relações bilaterais entre os dois países.
Com o assunto ambiente é diferente. Se há um tema que a opinião pública global olha com lupa para Brasil é a questão da Floresta Amazônica.
Jair Bolsonaro terminou sua derrocada aos olhos do mundo quando fez pouco caso da pandemia de covid-19 e desdenhou da vacina contra o coronavírus. Mas seu governo começou a cair em descrédito diante do mundo quando as cenas da mata em chamas ocuparam as capas dos maiores diários globais.
Não é sobre Oriente Médio, liderança do Sul Global, mediação da Venezuela ou Brics que o mundo quer saber o que o Brasil pensa. O principal ativo internacional brasileiro é o meio ambiente. E, embora saiba disso e tenha colocado o tema no centro da estratégia diplomática para reconquistar influência global, o governo Lula tem colecionado incoerências no assunto.
O recorde de focos de incêndio para o mês de fevereiro na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é mais um alerta de que a coisa não vai bem. Com 2.924 pontos de queimadas identificados, a quantidade é a maior desde o início da série histórica, iniciada em 1999. Com os dados foram computados até segunda-feira (26), o mês fechará com uma situação ainda pior nesta quinta-feira (29).
Os dados frios contradizem o discurso do governo para o mundo ver. Mesmo internamente, há contradições, nem sempre captadas pelos satélites da imprensa internacional: os incentivos para a indústria automobilística no ano passado, a derrota no marco temporal das terras indígenas e o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas são alguns exemplos.
Externamente, pegue-se a COP28, em Dubai: enquanto Lula defendia o futuro sem combustíveis fósseis, vangloriava-se de o país ter ingressado na Opep+, o grupo estendido dos países produtores de petróleo. Outro exemplo: enquanto dizia às nações ricas que países que ainda têm florestas de pé precisam ser recompensados financeiramente para protegê-las e que a mudança climática deve ser pauta prioritária globalmente, fomentava a exploração do combustível fóssil próximo à foz do Rio Amazonas.
Agora, em Roraima, a fumaça chegou a encobrir partes da capital, Boa Vista, e trechos da rodovia RR-206. Na semana passada, um balanço do governo federal mostrou que o número de mortes de indígenas na reserva yanomami, a maior do tipo do país, aumentou um ano após Lula decretar emergência de saúde na região.
São imagens e estatísticas que começam a depor contra o governo. Não adianta contar com Maria Silva na Esplanada dos Ministérios, convocar Cúpula da Amazônia, bancar de campeão ambiental ou realizar uma grande COP30, no Pará, em 2025, se o tema de casa não for bem feito.