Um grupo de pais, mães e sobreviventes da tragédia da boate Kiss foi recebido pela presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, nesta semana, em Brasília. Ela prometeu atenção especial à análise dos recursos apresentados pelo Ministério Público do Estado (MP-RS) para tentar reverter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que anulou o julgamento dos quatro réus no caso.
Há duas semanas, os familiares das vítimas fazem uma vigília em frente ao portão principal do STJ, em Brasília, pedindo celeridade aos magistrados. Eles prometem não ir embora até que os recursos sejam julgados.
- Já estamos cansados de lutar pelos nossos dieitos, pelo que a gente tem direito de justiça, e não somos atendidos. Eu acho revoltante, humilhante estar pedindo. De tanto esperar por Justiça muitos pais já faleceram, outros desistiram de viver. Eu mesma vivo e digo que fico dopada de tanta medicação por sei que não ia aguentar. É muito dura, muita dor - diz Marilene dos Santos Soares, mãe da Nathi, uma das vítimas da Kiss.
Em frente ao portão, há um mural com as fotos dos rostos dos 242 jovens que morreram na tragédia da boate de Santa Maria. Depois da entrevista, Marilene aponta para o mural, que tremula com o vento em frente ao STJ.
- E ali está a minha Nathi - diz.
É uma das fotos maiores, à direita da faixa onde aparecem todas as vítimas. Nas últimas semanas, Flávio Silva, que foi presidente da Associação dos Familiares e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), pai de Andrielle Righi, e Paulo Tadeu Nunes de Carvalho, pai de Rafael, perambularam entre as diferentes instâncias de poder em Brasília. Conseguiram entrar no Palácio do Planalto, onde foram recebidos pelo ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação (Secom), que é de Santa Maria.
Além do julgamento dos recursos, alguns sobreviventes vivem uma tragédia diária, particular. Kelen Ferreira, que além das queimaduras, perdeu a perna direita, conta que, 10 anos depois, depende de uma prótese. De tempos em tempos, ela precisa entrar na Justiça para conseguir o equipamento.
- A sensação ainda é de impunidade. Ver passando todos esses anos, e nada foi feito. Claro, teve a condenação ali. Eles (os réus) foram soltos novamente. Já vai fazer um ano em agosto que foram soltos. Então, tudo é uma demora. Não só para os pais, mas para os sobreviventes, que não conseguem viver o luto.
Em fevereiro, ela entrou pela segunda vez na Justiça com processo pedindo a prótese. Um conjunto com dois equipamentos custam em média R$ 140 mil.
- É algo que preciso para ter uma qualidade de vida, para poder viver uma vida sem limitações. Eu preciso das próteses. Toda vez que eu precisar trocar, a cada dois anos, eu tenho que entrar na Justiça. Isso desgasta muito - afirma.
Os quatro réus foram condenados em dezembro de 2021, mas a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça anulou o júri após acolher parte dos recursos das defesas. Com a anulação, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, Marcelo de Jesus, vocalista da banda, e Luciano Bonilha, auxiliar da banda, foram soltos.
O MP-RS recorreu. Com isso, a decisão sobre o pedido de manter a condenação dos quatro réus está a cargo do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF deve julgar o recurso extraordinário, o STJ o recurso especial. Segundo o MP, cada Corte deve avaliar matérias diferentes, mas com o mesmo objetivo: a reversão da anulação do júri.
Os pais prometem seguir em Brasília até que as mais altas cortes do Judiciário brasileiro analisem os recursos.