Não passa despercebida a mudança de posição do procurador-geral da República, Augusto Aras, em relação ao agora ex-presidente da República. Na sexta-feira (13), a pedido do chefe do Ministério Público Federal (MPF), o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou incluir Jair Bolsonaro nas investigações sobre os atos extremistas do dia 8 de janeiro, em Brasília.
Ao longo do mandato, Aras não se valeu do cargo para combater o impulso antidemocrático do ex-capitão convertido em comandante-em-chefe da Nação. Ao contrário, arquivou inquéritos e foi contra dezenas de medidas solicitadas pela Polícia Federal (PF) para investigar o Executivo. Nem mesmo quando Bolsonaro criticou o sistema eleitoral brasileiro para o mundo ver, naquele esdrúxulo encontro com embaixadores, houve uma reação.
Sua inércia contribuiu para a ação personalística do ministro do STF Alexandre de Moraes, que passou a tomar decisões de ofício, adentrando na seara da PGR.
Agora, Aras foi pressionado por vários lados: primeiro, pela derrota de Bolsonaro, que o indicou em 2019, excluindo a tradição de lista tríplice; segundo a insurreição interna, de 79 procuradores e procuradoras que assinaram uma representação, entregue na quinta-feira (12), em que pediram investigação contra o ex-presidente no caso dos atentados aos três Poderes; terceiro, a visita do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na qual foram entregues os nomes de 38 vândalos identificados no prédio e solicitou que sejam denunciados.
Aras cedeu, mas essa não é sua primeira mudança pública de postura. No dia 19 de dezembro, ele alterou seu posicionamento e passou a acompanhar o entendimento favorável à inconstitucionalidade das emendas de relator e à derrubada do dispositivo durante julgamento no Supremo. Alegou que sua manifestação anterior, favorável à manutenção do orçamento secreto, havia sido feita em um momento de "cognição incompleta".
A sete meses de entregar o cargo, Aras está preocupado com seu futuro. Quiçá, com seu legado. Duas semanas antes do Natal, ele se reuniu com uma equipe de assessores jurídicos do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva — alguns, do tempo da Lava-Jato. Segundo interlocutores, prometeu não adotar o enfrentamento com os novos ocupantes do Planalto.
Aras é filho do ex-deputado federal Roque Aras, que foi do PTB, PMDB e chegou ao PT como candidato a senador em 1986 e a prefeito de Feira de Santana (BA) em 1988, não se elegendo. Além disso, mantém boas relações com o senador Jaques Wagner (PT-BA). E, embora próximo de Bolsonaro, foi uma das vozes críticas aos abusos dos investigadores de Curitiba (PR):
— Talvez tenha faltado nesta Lava-Jato a cabeça branca para dizer que tem muitas coisas que pode, mas que tem muitas coisas que não podemos fazer — disse em sua sabatina no Senado.
A derrota de Bolsonaro praticamente inviabiliza sua indicação ao Supremo. Mas nem tudo está perdido. Em entrevistas, Aras tem dito que pretende se aposentar a partir de setembro e dedicar-se a escrever um livro sobre sua experiência à frente do MPF. Mas voos mais altos podem estar nos planos: senão o STF, quem sabe outro tribunal superior?
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Apaziguamento
Nas 10 páginas da decisão de Alexandre de Moraes, que acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República e incluiu o ex-presidente Jair Bolsonaro nas investigações dos atos golpistas, o ministro do Supremo lembrou o fracassado acordo de Munique, em 1938, que adiou, mas não evitou a Segunda Guerra Mundial:
"A democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler".
Na ocasião, os aliados entregaram os Sudetos, parte do território da Tchecoslováquia, à Alemanha nazista em troca de paz. O líder nazista ficou com os Sudetos, ocupou o restante da Tchecoslováquia e avançou sobre o restante da Europa.