Ao final da semana mais tensa da história da redemocratização brasileira, há mais perguntas do que respostas sobre os atos golpistas do dia 8 de janeiro contra os três mais importantes prédios da República. A minuta de decreto encontrada na residência do ex-ministro de Jair Bolsonaro convertido em secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres tem cara, cheiro e nome: golpe. A dúvida é: por que a ação não foi adiante?
O teor do texto, cujo objetivo seria anular o resultado da eleição, e o ano de "2022" escrito na data, com dia e mês em abertos, deixam claro que o Estado de Defesa seria executado antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O decreto supostamente daria um verniz de legalidade para a ruptura institucional. Afinal, o intrumento que amplia os poderes do chefe de Estado e determina a supressão dos direitos e liberdades individuais está previsto na Constituição, está "dentro das quatro linhas", porém para casos de quebra da ordem social. Não era o caso.
Nada que não pudesse ser criado, claro. Antes dos atos contra o Congresso, o Planalto e o Supremo, em 12 de dezembro, ônibus e carros foram incendiados na região central de Brasília, pessoas ficaram presas em um shopping, enquanto uma horda de bolsonaristas radicais depredavam patrimônio público e tentavam invadir a sede da Polícia Federal. Depois, na véspera do Natal, um caminhão com combustível só não explodiu no aeroporto da capital porque os explosivos foram descobertos a tempo. Qualquer um desses atos poderia provocar o caos e ensejar o decreto golpista.
A frase do então presidente Bolsonaro em sua última Live, horas antes de deixar o território nacional, ganha novos contornos depois da descoberta do rascunho do decreto:
- Está prevista a posse agora, dia 1º de janeiro. Eu busquei dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeito à Constituição, saída para isso daí. Se tinha uma alternativa para isso.
Na sequência, decepcionado, o então presidente deu a entender que não recebera apoios necessários para a reação.
- Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas, você tem de ter apoios. Alguns acham que é "pega a (caneta) Bic, assine, faça isso, faça aquilo" e está tudo resolvido. (...) Certas medidas têm que ter apoio do parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos e de outras instituições.
Possivelmente, a caneta só não tocou aquela segunda folha de papel do decreto no espaço da assinatura exatamente por isso: falta de apoio.