Lula inicia a semana com um olho na lebre outro no gato. Ao retornar a Brasília, terá, nesta segunda-feira (5), uma reunião com o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, que virá à capital federal para convidar o presidente eleito para um encontro com Joe Biden, na Casa Branca.
Lula quer ir a Washington, mas disse que só viajará depois da diplomação, marcada para o dia 12. Há, entretanto, tantas costuras a serem feitas na transição que incluir um novo tour internacional (depois do Egito e de Portugal) pode acabar atrasando decisões importantes por aqui.
Sem dúvida, é importante um encontro com Biden, com quem Lula se identifica, a partir da vitória do democrata sobre Donald Trump, em quem Jair Bolsonaro se espelhava. Os dois presidentes não morrem de amores um pelo outro, mas há interesses dos dois lados. Na agenda oficial, desejam falar sobre agenda ambiental, nova missão no Haiti, liderada supostamente pelo Brasil, crise na Ucrânia e democracia. Do ponto de vista estratégico, Biden busca um aliado de peso na América do Sul, diante da desconfiança generalizada nos líderes vizinhos, em especial a Venezuela. Da parte de Lula, uma foto no Salão Oval é desejada prova de legitimidade internacional.
Mas há temas também urgentes em Brasília. A semana que passou por aqui, em que seu poder de negociação foi posto à prova, fez diferença: em cinco dias, Lula encontrou-se com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), testou nomes de ministros, como os cotados José Múcio Monteiro para a Defesa e Flávio Dino para a Justiça, reuniu-se com líderes sindicais, com integrantes de grupos de transição, definiu o "não lugar" de Gleisi Hoffmann na Esplanada e, principalmente, destravou a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, que retira dos custos do Bolsa Família do teto de gastos. Mais importante: deu alguma tranquilidade aos petistas da equipe de transição em meio à diversidade de partidos nos grupos técnicos - e que já disputam cargos no primeiro e segundo escalões.
Os próximos dias serão decisivos. Das quatro exigências do Centrão para aprovar a PEC no Congresso - integrar ministérios, manutenção das emendas de relator (orçamento secreto), detalhamento do destino de recursos que sobrarão no Orçamento e apoio do PT à reeleição de Pacheco e Lira, apenas esse último está garantido. A barganha continua. E o tempo vai escorrendo pelas mãos. Para que o Bolsa Família entre no Orçamento de 2023, a PEC precisa ser aprovada até 16 dezembro, ou seja, há apenas 12 dias pela frente. Nesta terça-feira (6), o texto pode ser discutido na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. Mas até o nome de quem será o relator - se senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) ou Alexandre Silva (PSD-MG) - é importante e leva tempo.
Talvez Lula precise abrir mão da vaidade internacional, adiar a viagem a Washington para depois da posse, a fim de cuidar de assuntos domésticos.