Seria óbvio escrever que o mundo estará de olho no Brasil neste domingo (2). Óbvio e velho. Porque o mundo está de olho no Brasil há muito tempo - que o digam as capas da revista The Economist, com o Cristo Redentor em decolagem e queda descontrolada.
Mas já que falar dessa eleição é sobretudo falar de História, regressemos ainda mais no tempo. O mundo lança os olhos sobre o Brasil porque, desde 1996, somos exemplo de processo eleitoral transparente, urnas eletrônicas que chegam aos grotões do país, contabilização de resultados incrivelmente rápida e, acima de tudo, pela solidez de nossa democracia, que completará 40 anos em 2025.
O mundo já nos olhou como campeões da defesa do meio ambiente - da Rio-92 à COP de Paris. Já nos observou com olhar de aprendiz para a diplomacia de Rio Branco, capaz de estabelecer fronteiras e limites na base do diálogo - e não no canhão -, algo incomum diante de nossas grandezas territoriais. Também nos olhou porque tenta aprender como, em um território com tanta diversidade, evitamos guerras religiosas e étnicas, como no Oriente Médio. Aqui, muçulmanos são capazes de rezar de mãos dadas com judeus, por exemplo - ainda que diversidade e racismo estrutural sejam temas em relação aos quais precisamos evoluir muito ainda como sociedade.
O mundo aprendeu ainda a olhar para o Brasil como o país que liderou o movimento de quebra de patentes de medicamentos anti-HIV, tornando-se exemplo global para as nações mais pobres do planeta. Aliás, se fossemos falar de saúde, teríamos estantes inteiras de literatura acadêmica e prática para nos orgulharmos. Mas fiquemos com a capilaridade do SUS, vilipendiado, por vezes incompreendido, mas que, graças ao esforço hercúleo de seus profissionais, resolve o problema lá na ponta.
Sim, o mundo sempre olhou para o Brasil. A questão é que, de uns anos para cá, ele nos olha com espanto. "Turmoil", termo em inglês que significa "estado de grande ansiedade, confusão e incerteza", segundo o dicionário de Oxford, foi uma palavra que passou a fazer parte dos títulos das manchetes internacionais ao se referirem ao Brasil. Somos hoje um país que rejeita estatísticas produzidas pelos órgãos de governo - desconfiamos de nós próprios - sobre desmatamento e queimadas. Somos um país que trocou vários ministros da Saúde em meio à maior crise de saúde pública global, como clubes de futebol trocam técnicos, porque alguns defendiam... a ciência. Somos um país hoje cujas autoridades discursam contra médicos e cientistas para se abraçarem ao obscurantismo medievalista.
Durante 20 anos, acompanhei eleições em países latino-americanos nos quais a presença de observadores internacionais dava alguma garantia de lisura ao pleito. Nunca pensei que, no Brasil contemporâneo, isso fosse necessário. Eles eram figuras sem grande relevância por aqui. Infelizmente, neste domingo (2), serão fundamentais. Não evitarão contestação interna. Mas garantirão ao mundo a narrativa real do que aqui ocorrer. A Human Rights Watch pede garantia de eleições seguras no Brasil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos insta as autoridades a combater atos de intolerância que possam resultar em violência política. Na quarta-feira (28), o Senado dos EUA aprovou por consenso uma resolução a favor do respeito à democracia no país. E 50 deputados do Parlamento Europeu entregaram uma carta à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e ao chefe da política externa do bloco, Josep Borell, pedindo que a União Europeia monitore o pleito e apoie as instituições democráticas brasileiras.
O mundo sempre esteve de olho no Brasil. Mas, agora, usa lupa. Cabe ao nós, brasileiros, não repetirmos os gestos dos candidatos no debate da TV Globo, na quinta-feira (29), pedindo direito de resposta. Basta apenas exercer a resposta por meio desse direito: o voto.