Em 1952, quando a Elizabeth herdou o trono britânico de seu pai, George XVI, o mundo saia, havia sete anos, da maior carnificina da história, a Segunda Guerra Mundial.
Embora separado do resto da Europa pelo Canal da Mancha, o arquipélago de Sua Majestade recuperava-se economicamente - e, em parte, estruturalmente.
O Reino Unido que Charles III encontra em 2022- aliás, uma realidade da qual fora preservado, enquanto príncipe -, também enfrenta grandes desafios. Há um mundo a reconstruir, após dois anos da maior crise de saúde pública global - a covid-19 -, seus efeitos ecoam nas economias do território e de vizinhos, com inflação e custo de vida recordes e em meio a uma nova guerra no continente: na Ucrânia.
Claro que o conflito, desta vez, é distante das ilhas de Charles III, mas seus ecos chegam ao Palácio de Buckingham. O governo britânico, agora nas mãos de Liz Truss, é a principal força contra a Rússia no continente.
Alguém dirá que o rei é uma figura representativa e que esses temas são políticos e econômicos, fora da alçada da coroa. Sim, mas o espírito do tempo determina também o tipo de soberano que dele emerge. George VI, avô de Charles, é até hoje lembrado por não ter deixado Londres quando a Luftwaffe bombardeava impiedosamente seus súditos. Elizabeth, sua mãe, garantiu a unidade da monarquia em meio à Guerra Fria, ao terrorismo do IRA, no ataque da Al-Qaeda à capital, no Brexit, na pandemia e nas várias turbulências políticas e econômicas das últimas décadas.
Charles assume o trono aos 73 anos. Sua mãe, Elizabeth, quando recebeu a coroa, tinha 25. Ela precisou lidar com um círculo político masculino, por vezes machista, e aprendeu a conviver com figuras poderosas, como Winston Churchill e seu tio, o antigo rei, Edward, que abdicara para se casar com uma plebeia divorciada, mas que seguia atuando nos bastidores.
Charles não tem o mesmo traquejo da mãe nem seu peso histórico. Fará um reinado de continuísmo, com algumas tentativas de descontração - até para tentar fugir da sombra de Elizabeth. Mas não modernizará a monarquia.
Quando sua mãe ascendeu ao trono, o mundo vivia o início da Guerra Fria e o Reino Unido ainda era uma potência definidora das questões globais - decadente no sistema internacional, que veria ascensão dos Estados Unidos, mas ainda importante. Charles III experimentará renovada tensão bipolar (EUA-Rússia), embora, hoje, as relações sejam muito mais mais complexas do que a divisão entre "bem" e "mal".
Vinte e cinco anos depois da morte da princesa Diana, cuja falta de empatia marcou fortemente a popularidade de Elizabeth e Charles - levando inclusive a suspiros republicanos -, a família real britânica tem a aprovação de impressionantes 70% dos britânicos - no caso de Elizabeth, sobe para ainda mais impressionantes 90%.
Escrevi que Elizabeth foi âncora da unidade do reino. Charles será o responsável por manter essa âncora cravada no leito de um mar turbulento. Isso porque, não bastassem os desafios do início deste texto, há ainda ameaças separatistas: um referendo à vista na Escócia e aspirações nacionalistas em Gales.
Devido à idade avançada e ao fato de ter chegado tarde ao trono, ele não consegue passar o espírito de renovação - e isso, por si só, pode alimentar um sentimento antimonarquista. Deter esse fenômeno é, provavelmente, uma de suas preocupações depois de superar o luto. Afinal, como disse certa vez o ex-primeiro-ministro australiano Malcolm Thurbull, diante de Elizabeth, até os republicanos mais convictos, como ele, se tornavam elisabetanos de primeira linha. O mesmo não ocorre diante de Charles.