A monarquia britânica tem um acerto de contas a fazer com a História e com as colônias e ex-colônias que outrora constituíram o maior império da Terra. A rainha Elizabeth II, que morreu na quinta-feira (8), não encarou esse passado, e a conta fica para o herdeiro, Charles III, de quem se espera mais do que frases pomposas.
O Reino Unido participou ativamente do tráfico de negros nos séculos 17 e 18, e seus navios levaram mais de 3,4 milhões de africanos capturados da África para as Américas. A Lei de Abolição da Escravidão só foi assinada em 1833 - no Brasil, como se sabe, esse erro se perpetuou até 1888.
Essa reparação histórica começou a ser reivindicada com mais força depois dos fenômenos como Black Lives Matter e a derrubada de estátuas de líderes ligados ao tráfico escravo nos Estados Unidos e no Reino Unido. No próprio território britânico, pesquisadores tentam que a história dos negros, que por séculos permaneceu alijada do sistema educacional, seja contada.
Fora das ilhas de Sua Majestade, não são poucas as reivindicações por reparação. O rei é também chefe da Commonwealth, a comunidade integrada por mais de 60 territórios (ex e atuais colônias). Dessas, 16 têm agora Charles III como chefe de Estado - inclusive Canadá, Nova Zelândia e Austrália.
Em países como Jamaica, Bahamas, Belize e Antígua e Barbuda, territórios onde a escravidão correu solta, os protestos por reparação estão mais organizados - assim como em Barbados, que se tornou uma República, deixando de estar sob o guarda-chuva do império. A Jamaica, por exemplo, anunciou no ano passado plano para pedir indenização ao Reino Unido por transportar cerca de 600 mil africanos para trabalhar nas plantações de cana de açúcar e bananas, que criaram fortunas para proprietários de escravos britânicos. O governo já sinalizou que pode seguir no mesmo caminho de Barbados, abandonando o império.
Em março, o agora rei Charles III visitou territórios no Caribe. Admitiu sua "tristeza pessoal" pela escravidão, mas não falou em reparações. Em 2018, em Gana, ele reconhecera o envolvimento do país com o comércio transatlântico de escravos, o que chamou de "mancha indelével".
No trono, a rainha Elizabeth II silenciou, ao longo de sete décadas, sobre essa catástrofe histórica.