No momento em que a guerra na Ucrânia está prestes a completar seis meses, a Rússia realiza um megaevento militar com clara motivação política e propagandística na fronteira com o Brasil e, consequentemente, na área de influência dos Estados Unidos.
Desde sábado (13) e até 29 de agosto, a Venezuela é uma das 11 sedes do chamado "Army Games", uma espécie de olimpíada militar organizada pelo Ministério da Defesa russo desde 2015 e que está em sua oitava edição. Ao todo, são 275 equipes de 37 países, todos aliados do Kremlin, como China, Irã, Vietnã e ex-repúblicas soviéticas como Belarus, Uzbequistão e Azerbaijão.
Da região, além de Venezuela, participam Cuba e Nicarágua, todos países governados por ditadores ou por aspirantes a tal posição.
Entre as modalidades, estão provas entre carros de combate dos diferentes exércitos, corridas entre soldados das infantarias desses países, disputas de precisão de artilharia e competições entre atiradores de elite. No caso dos snipers, por exemplo, as provas são realizadas em Forte Terepaima, no Estado de Lara, a 430 quilômetros da capital venezuelana, Caracas. O local passou por obras de infraestrutura sob supervisão russa. São usados fuzis de precisão SVD Dragunov de 7,62 mm, com mira telescópica, e pistolas 9mm.
Para as provas que envolvem carros de combate, militares venezuelanos viajaram para a Rússia, mais precisamente para a região de Voronej, um dos principais centros financeiros do país.
Trata-se de um momento geopolítico delicado para a realização dos "jogos de guerra": em meio ao conflito na Ucrânia, tendo como uma das sedes um país da esfera de influência americana e nas barbas do Brasil. Publicamente, os organizadores vendem a ideia de que se trata apenas de um evento esportivo. Mas, no meio militar e das relações internacionais, sabe-se que esse movimento é uma forma de a Rússia e seus aliados mostrarem sua força - para públicos interno e externo -, sem violar tratados internacionais e, supostamente, sem representar uma "ameaça", dado o caráter, mais uma vez supostamente, "pacífico" dos jogos.
Ao mesmo tempo, observar quem são os inscritos nas competições é uma forma de entender o desenho geopolítico do mundo atual - quem está do lado da Rússia e quem está ao lado do Ocidente no tabuleiro de xadrez global. A lista de competidores é uma espécie de desenho das relações de poder.
Os jogos ocorrem anualmente, mas essa é a primeira vez que um país latino-americano sedia as competições. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) já realizou algo semelhante entre seus aliados, mas de forma bastante pontual. O Canadian Army Trophy (CAT) foi uma competição de artilharia de tanques estabelecida, segundo organizadores, para "fomentar a excelência, a camaradagem e a competição" entre as forças blindadas dos países da aliança militar do Ocidente na Europa Ocidental. A primeira edição ocorreu em 1963 e a última foi em 1991. Outra competição do tipo foi a Strong Europe Tank Challenge, na Alemanha, realizada em 2016, 2017 e 2018. Há ainda os campeonatos italianos de esqui envolvendo tropas especializadas em montanha, que já contaram com representantes de Chile e Argentina.
Por enquanto, a reação nos Estados Unidos tem se mantido no nível dos think tanks conservadores, centros de pesquisa que costumam influenciar os tomadores de decisão em Washington.
No caso dos "Jogos de Exército", comandados pela Rússia, chama a atenção não apenas o momento histórico - nos seis meses da guerra na Ucrânia -, mas também o fato de terem começado um dia após o fim das operações militares anuais organizadas pelo Comando Sul dos Estados Unidos, a Panamax 2022, que, lideradas pelos americanos, contou como a participação de 2 mil militares, entre eles representantes das Forças Armadas do Brasil.