Começou devagar. No início dos anos 2000, partidos de extrema direita chegavam a 2% ou 3% dos votos em eleições europeias. Quando batiam em 8%, o continente se assustava - e boa parte do mundo liberal também. Pois hoje, de tempos em tempos, as forças de ultradireita não apenas superam os dois dígitos como beliscam o poder em vários países.
Com 17% dos votos no último pleito, o espanhol Vox é hoje a terceira força política da Espanha. Áustria e Holanda também testemunham esse fenômeno. E, na 5ª República francesa, os radicais volta e meia desestabilizam a eleição - e beiram o Palácio do Eliseu, sede da presidência, em Paris. Tanto que já virou tradição a cada segundo turno as forças tradicionais se unirem - da direita à esquerda - para evitar a vitória de um Le Pen (primeiro Jean Marie e, de uns anos para cá, sua filha, Marine).
Agora, é a vez da Itália puxar o bloco do retrocesso. Após a queda do governo de Mario Draghi, de centro, e a convocação de eleições gerais, marcadas para o próximo dia 25, a deputada Giorgia Meloni, do Partido Irmãos da Itália, tem grande chances de se tornar a primeira-ministra.
Se na França Marine Le Pen suavizou o discurso para angariar os votos dos eleitores de centro e conquistar o apoio da direita tradicional, no caso de Meloni estamos falando da versão mais pura do radicalismo em discurso, símbolos e práticas. Ela costuma seguir a cartilha meio Viktor Orban meio Donald Trump: sabe muito bem utilizar as redes sociais para culpar os migrantes por todas as mazelas da Itália, demonizar islâmicos e homossexuais ("Nunca teria um filho gay", chegou a dizer) e atacar a União Europeia (UE), em especial, as parcerias com Alemanha e França. Só não veremos um "Italexit", a saída do país do bloco, porque Meloni pode ser radical, mas não é ingênua: a Itália se beneficia de seu quinhão no fundo para a reconstrução do continente após pandemia. Estamos falando de cerca de 191,5 bilhões de euros, de um total de 750 bilhões.
Nos símbolos, seu partido, lembra o fascismo. A começar pelo lema: "Deus, Pátria e Família", exatamente igual ao de Benito Mussolini. A bandeira do Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia, no idioma original) carrega inclusive a imagem da chama em três cores (verde, vermelho e branco), a mesma do partido fascista dos anos 1930.
Meloni começou cedo na política, militando na Frente Juvenil do Movimento Socialista Italiano, a juventude fascista que renasceu pós-Segunda Guerra Mundial. Em 2014, ela fundou o Irmãos da Itália.
Será uma guinada e tanto se ela vencer. Não apenas do país, mas com reflexos em todo o continente. Draghi, que não resistiu um ano no poder, saiu aplaudido do parlamento - e muitos líderes europeus, como o francês Emmanuel Macron e alemão Olaf Scholz, já sentem saudade. O ex-banqueiro, que foi chefe do Banco Central Europeu, pode não ter se segurado no poder na Itália, mas será lembrado para sempre por evitado a quebradeira do bloco durante a crise na zona do euro. Com Meloni como premier da terceira maior economia da UE, ela pode acumular mais poder, recebendo apoios dos partidos de direita Liga, de Matteo Salvini, e Força Itália, de Silvio Berlusconi. Juntos, eles podem chegar a 40% dos votos. A esquerda está desunida - a aposta está no Partido Democrático (de centro esquerda), que, depois de muito remar, apareceu nas últimas pesquisas em empate técnico com os Irmãos da Itália.
O crescimento da extrema direita não é de agora, como comentei no início desse texto, mas claro que as ondas de imigração, o impacto econômico da pandemia, como a alta da inflação, e a ameaça de falta de energia contribuíram para o descrédito do eleitor com as forças tradicionais. Aliás, falando em falta de energia, no Exterior quem ganha com a eventual ascensão de Meloni é Vladimir Putin. A deputada sempre foi contra o apoio do Ocidente à Ucrânia no conflito com a Rússia. Aliás, há quem suspeite de que a queda de Draghi tenha sido arquitetada por Salvini, Berlusconi e Meloni, tendo Putin como mentor.