"Todos contra Le Pen". Era esse o lema. O ano era 2002. O mês, abril, primeiro turno da eleição presidencial francesa. O mundo prendia a respiração com a decisão dos eleitores franceses de darem a Jean-Marie Le Pen a chance de disputar o segundo turno. O histórico líder da Frente Nacional, de extrema-direita, antissemita, nacionalista e homofóbica, chegava à grande final pela primeira vez, aproveitando-se da alta abstenção (na França, o voto não é obrigatório) e da pulverização da esquerda, que lançara seis candidatos.
Apavorados com o próprio monstro que haviam criado, partidos de diferentes matizes ideológicos apoiaram Jacques Chirac, de direita, o mal menor, que obteve a reeleição com a maior vantagem eleitoral da história da V República - 82,21% dos votos contra 17,79%. A abstenção, que também contribuíra para Le Pen vencer o socialista Lionel Jospin, despencara de 28,4% para 20,3% em duas semanas. O saco de gatos contra Le Pen funcionara.
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Marine, que tinha 33 anos quando viu o pai chegar pela primeira vez às portas Palácio do Eliseu, mas não levar, repetiu domingo a história familiar. Vai disputar o segundo turno contra Emmanuel Macron, do novo partido Em Marcha!, com nova roupagem: trata-se de uma extrema-direita light, com verniz do século 21, afastada do viés antissemita de seu pai, que chegou a dizer que as câmaras de gás eram um detalhe na história da II Guerra. Seu discurso é adaptado aos novos tempos, o mesmo que tem colecionado vitórias nos Estados Unidos e no Reino Unido - nacionalista, isolacionista e antiimigração.
Desde domingo, os ecos de 2002 voltaram a soar pelos bulevares franceses. Apoios a Macron estão vindo de todos os lados, em uma espécie de embrião de uma frente republicana que unirá esquerdas, centro e direita contra a extrema-direita. É o "Todos contra Le Pen" de 2017.
Pelas próximas duas semanas na França observaremos a lógica da Guerra Fria que tem regido as relações políticas no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos e em boa parte do planeta mesmo 28 anos depois da queda do Muro de Berlim: direita x esquerda (ou seus extremos), oprimidos x opressores, campo x cidade; nacionalismo x globalismo, liberalismo x socialismo ou, na prática, um socialismo de mercado. A polarização Macron x Le Pen é, a grosso modo, a releitura de Dilma x Aécio; Hillary x Trump; Brexit x não-Brexit.
Há 1 milhão de tons de cinza no espectro político e ideológico global. Mas, por ora, seguiremos polarizando o debate, aqui e do outro lado do Atlântico. Afinal, o mundo fica mais fácil quando há inimigos e heróis, bons e maus, mocinhos e bandidos. Uma dicotomia simplista, mas compreensível.