Por volta das 23h do dia 28 de julho, um intenso incêndio começou em um armazém do complexo de Olenivka, na Ucrânia, onde dormiam cerca de 200 prisioneiros de guerra ucranianos. O complexo, na região de Donetsk, uma das províncias separatistas, está sob comando russo. Para lá, foram levados mais de 1 milhão de prisioneiros, em geral mantidos em cinco prédios distantes do edifício atingido pela explosão.
No final de julho, evidências sugerem que cerca de 200 desses internos teriam sido transferidos para o armazém que, dias depois, seria destruído pelo fogo. Pelo menos 50 prisioneiros ucranianos morreram e outros 75 ficaram feridos.
A prisão de Olenivka e o massacre que lá teve lugar tornaram-se foco da guerra de narrativas entre Rússia e Ucrânia, conflito que, no próximo dia 24, completa seis meses. O Kremlin acusa a Ucrânia de bombardear e matar seus soldados para que não revelassem, em interrogatórios, crimes de guerra cometidos no front. No grupo de detidos, estão membros do Batalhão Azov, com viés nacionalista (e alguns com orientação neonazista), que combateu na defesa da cidade de Mariupol, no sul do país, no início do conflito. Como suposta evidência, a Rússia mostrou, no local, restos de um foguete HIMARS americano.
O governo Volodimir Zelensky, por sua vez, acusa a Rússia de ter matado deliberadamente os prisioneiros de guerra, dizendo que os destroços do foguete foram plantados ali para incriminar os ucranianos. E acrescenta que jamais eliminaria seus próprios soldados, entre os quais muitos considerados "heróis de guerra", por terem defendido "bravamente" a fábrica de Azovstal, último bastão de resistência em Mariupol. O governo ucraniano ainda acusa a Rússia de ter destruído o armazém como forma de ocultar provas de tortura - ou seja, cometer um crime de guerra para esconder outro.
Aliás, o Batalhão Azov é odiado pelos russos, e o sentimento é recíproco.
Mas o que de fato ocorreu em Olenivska?
A Cruz Vermelha Internacional informa que pediu acesso às instalações, aos locais para onde feridos foram levados e recebem atendimento, ao prédio onde estão os corpos das vítimas e a outros centros penitenciários para onde foram detidos os sobreviventes. A organização, que conta com profissionais com experiência médica e forense, diz já ter estado em Olenivska em duas ocasiões - para avaliar as instalações e para deixar, do lado de fora, tanques com água. No entanto, informa que a Rússia não permitiu acesso aos prisioneiros individualmente. A negação de acesso configura-se violações do direito internacional humanitário e da terceira Convenção de Genebra.
Uma análise realizada pela rede CNN, com base em exames de especialistas e imagens de satélite disponibilizadas por Planet Labs, antes e depois, conclui que a destruição do armazém é incompatível com a produzida por um ataque com foguetes HIMARS. Houve, com certeza, um incêndio. Mas o prédio, um armazém com paredes finas e telhado de metal, segundo especialistas em armas, não teria ficado em pé, após um ataque com esse tipo de armamento. Não há também crateras, que seriam produzidas pelo impacto dos foguetes, e muitas camas e pilares não foram danificados - algo impossível de ocorrer em um bombardeio.
Agora, a Rússia permitiu o acesso de observadores da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Cruz Vermelha Internacional ao local.
Não é pequeno o desafio do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, anunciado na quinta-feira (18) pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e entrevistado pelo colunista de GZH Humberto Trezzi, como o chefe da missão que vai apurar eventuais crimes de guerra em Olenivka.