Em 4 de fevereiro, 20 dias antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Vladimir Putin e Xi Jinping apertaram as mãos, pouco antes da abertura da Olimpíada de Inverno de Pequim. O circo estava armado para a guerra no Leste Europeu, e os dois deram, em uma exibição de unidade planejada em detalhes, uma parceria "sem limites" entre os dois países.
Iniciado o conflito, a China adotou uma postura ambivalente, por vezes evitando criticar as intenções de Putin ou mesmo condenações em fóruns internacionais, como fez o Ocidente, mas também não chancelando diretamente a postura do Kremlin e sua "operação militar especial", o eufemismo russo para a guerra. Para uns foi neutralidade. Eu chamaria de apoio contido.
No fundo, por mais que a China esteja de olho em não perder mercado, o que vale é o acertado em 4 de fevereiro. Os dois países são as principais potências questionadoras da hegemonia americana no sistema internacional - da chamada democracia liberal à primazia de poder militar e econômico. Com o andar da carruagem, digo, a guerra, cada novo episódio do conflito só reforçou essa aliança - inclusive, no último dia 4, os dois líderes voltaram a conversar, só que por telefone.
No meio da tensão entre Rússia e Ocidente por causa da Ucrânia, apareceu um fato novo: a visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan, a ilha que a China considera território rebelde. Era o que faltava para enfurecer a China e dedicar-se a enviar alguns sinais mais claros de que lado está.
Nos dias seguintes à viagem de 24 horas da americana, a China realizou manobras militares sem precedentes nos arredores de Taiwan - disparando pelo menos 11 mísseis balísticos nos arredores da ilha e inclusive cruzando a linha mediana, que delimita uma fronteira informal marítima entre os dois territórios.
Não há melhor vitrine para isso do que a Vostok, exercício conjunto das forças armadas russa e chinesa, entre 30 de agosto e 5 de setembro, com participação ainda de Índia, Belarus, Mongólia e Tadjiquistão. Estarão envolvidos 100 mil militares desses países - a China enviará 10 mil -, distribuídos em operações no Leste, Cáucaso, Central e Ocidental - os comandos estratégicos russos. Claro que o Ocidental é o mais delicado, por concentrar as operações na Ucrânia.
A Vostok ocorre a cada dois anos, desde o período soviético. Em 2018, a primeira vez que a China participou, foi a operação que mais chamou atenção: à época, foram 300 mil militares, mil aviões de combate e 35 mil veículos de combate. Foi a maior manifestação de força russa desde o fim da Guerra Fria.
Neste 2022, os exercícios terão números reduzidos, mas há dois interesses muito claros na organização: o primeiro, as forças armadas da Rússia desejam mostrar que tem capacidade de manter suas atividades rotineiras, exercícios planejados, agenda, mesmo envolvida em uma guerra, que já ceifou muitas vidas - inclusive de generais -, levou a perda de equipamentos e exibiu ao mundo problemas logísticos. O segundo, que a aliança com a China, está mais forte do que nunca. O que favorece os dois: se para Putin o apoio chinês chancela suas ambições de reposicionar a Rússia como potência no Leste Europeu, para Xi, às vésperas da eleição que deve mantê-lo no poder como líder inquestionável do Partido Comunista, é uma oportunidade de mostrar cada vez mais influência na Ásia - e nesse relação, a Rússia é a "prima pobre" da China. Principalmente por sua dependência depois do isolamento imposto pelo Ocidente.