A Rússia acusou o golpe. Na verdade, três em uma semana. O primeiro em 9 de agosto, e dois na terça-feira (16). Nesta quarta-feira (17), a rede CNN informou, por meio de fontes do governo ucraniano, que o país vítima da invasão do Kremlin está por trás das fortes baixas sentidas pela Rússia na Ucrânia em sete dias.
Começou na base aérea de Saki, que informei aqui. Pelo menos nove aviões de combate russos (Su-24 e Su-30) foram abatidos em solo. Em um primeiro momento, a Rússia informou se tratar de um acidente, possivelmente devido a munições guardadas em depósitos. Mas as imagens de satélite disponibilizadas pela empresa Planet Lab já entregavam as três crateras imensas nos arredores da pista, que indicavam um possível bombardeio. Alguns veículos de comunicação globais, inclusive este colunista, consideraram a maior perda russa em um único dia na aviação desde a Segunda Guerra Mundial. A Rússia fala em um um morto. A Ucrânia registra 60. Talvez, nunca saibamos o número correto.
Os dois outros golpes a que a Rússia sofreu foram explosões em um depósito de munições em Maiske e na base aérea de Gvardeyskoe, ambos próximos a Dzhankoi. Sobre o episódio em Maiske, o Ministério da Defesa russo informou que "danos foram causados em instalações civis, incluindo linhas de energia, usinas, trilhos de trens e edifícios residenciais". A própria nota admite que o ato foi resultado de sabotagem.
Há dois significados fundamentais dessa semana de inferno astral russo. Primeiro, os ucranianos estão mirando a Crimeia. Os três ataques foram ali. E isso não é pouco. A península, que por sua posição estratégica já gerou uma guerra no século 19, que foi cedida à Ucrânia na era soviética e anexada pelo Kremlin em 2014, depois da queda do governo de Yanukovych, nos protestos da Euromaidan, é uma das prioridades do presidente Vladimir Putin. Foi ali que tudo começou. Foi ali que o apetite de Putin por uma Rússia forte começou a ganhar corpo. Desde a anexação, a Crimeia é a joia da coroa do Kremlin, e passou a ser inundada por bilionários investimentos em infraestrutura - inclusive com uma imensa ponte, inaugurada por Putin, que liga o território continental russo ao território. Além disso, falando em estratégia, a área é sede da poderosa frota naval russa no Mar Negro, em Sebastopol. A Crimeia parecia uma área consolidada pela Rússia desde 2014. Não há mais essa certeza. No caso dos dois segundos ataques, ambos na região de Dzhanki, no norte da Crimeia, eles atingem não apenas a circulação de trens na região como cortam linhas de suprimento do exército russo - foi dessa área que partiu a ofensiva, em 24 de fevereiro, primeiro dia de guerra, em direção ao sul da Ucrânia.
O segundo significado: a Ucrânia tem capacidade para atuar em atos se sabotagem, ou seja, atrás das linhas inimigas. Mais: pode atuar muito além do front principal, ou seja, a cem quilômetros do Donbass, palco das batalhas mais ferozes, uma vez que ali estão as províncias separatistas de Donetsk e Luhansk. Essa capacidade indica a ação de forças especiais com apoio de paramilitares. Ou seja, por força própria, seus soldados - ou voluntários -, sem apoio do Ocidente em geral, e dos EUA em particular. As armas mais poderosas dos aliados não teriam alcance para neutralizar alvos na Crimeia, e aviões ucranianos seriam abatidos pelo sistema de defesa russos.
Resumo: a Ucrânia não se rendeu.