
O general brasileiro da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, gaúcho, foi escolhido pelas Nações Unidas para liderar uma missão de apuração de crimes de guerra na Ucrânia. O anúncio do nome foi feito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, durante uma conversa com jornalistas ao lado do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, na cidade de Lviv, nesta quinta-feira.
Guterres quer acesso para a Cruz Vermelha ao Centro de Detenção de Olenivka, que em 29 de julho registrou uma explosão que matou dezenas de prisioneiros de guerra ucranianos. A prisão improvisada fica na região de Donetsk, leste da Ucrânia, hoje ocupada por tropas russas. A suposição é que tenha ocorrido um bombardeio, no qual morreram pelo menos 53 ucranianos detidos ali e outros 75 ficaram feridos.
Moscou e Kiev se acusam mutuamente pelo ataque ao prédio que abrigava 193 prisioneiros de guerra ucranianos, inclusive combatentes do Batalhão de Azov que estavam entrincheirados na siderúrgica de Azovstal, em Mariupol (sudeste).
A guerra nessa região europeia começou em 24 de fevereiro, quando milhares de militares russos invadiram território ucraniano. De Brasília, Santos Cruz disse ao serviço de imprensa da ONU que se sentiu muito honrado por ter seu nome considerado por Guterres.
"Eu tomei conhecimento agora de que o secretário-geral da ONU considerou o meu nome para cumprir uma tarefa na Ucrânia. Eu fico muito honrado e tenho a certeza de que os companheiros que irão também ser selecionados pelas Nações Unidas são pessoas da mais alta qualidade, e isso é uma grande garantia para o nosso trabalho, para que possamos ter um resultado positivo sobre o assunto que vai ser tratado."
O general brasileiro já comandou duas missões de paz das Nações Unidas, a Minustah, no Haiti, e a Monusco, na República Democrática do Congo, na África. Ele também produziu um relatório, conhecido como Santos Cruz Report, sobre o funcionamento de missões de paz pelo mundo.
Guterres afirmou que o ocorrido no centro de detenção foi inaceitável. Ele lembrou que todos os prisioneiros de guerra têm de ser protegidos sob a Lei Humanitária Internacional. O chefe da ONU também afirmou que a Cruz Vermelha precisa ter acesso aos detentos.
Mais de 40 anos de experiência
A missão de apuração dos fatos, a ser liderada pelo general brasileiro, foi um pedido dos governos da Ucrânia e da Rússia à ONU. Os termos de funcionamento da missão serão compartilhados com ambos os países assim como a configuração da equipe. Ao mencionar sua intenção de nomear Santos Cruz, Guterres ressaltou que o brasileiro é um oficial respeitado com mais de 40 anos de experiência em segurança pública e militar incluindo o comando de missões de paz.
Para o secretário-geral, é preciso continuar obtendo as garantias necessárias para o acesso seguro aos sítios e locais relevantes para a apuração do que ocorreu em 29 de julho. Guterres concluiu sua explanação dizendo que uma missão de apuração deve ser livre para encontrar os fatos, e que a equipe tem que poder recolher e analisar a informação necessária, "de forma segura e com acesso irrestrito às pessoas e às evidências sem interferência de nenhum lugar".
"É uma grande honra", comemora o militar
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz pensava que teria um ano dedicado à política. Após sair do governo Bolsonaro e se indispor com o presidente, filiou-se na oposição (ao Podemos) e foi cogitado, pelo partido, para tudo um pouco: candidato a presidente da República, senador e até deputado. A ideia do militar gaúcho era acompanhar o ex-juiz Sergio Moro, de quem é amigo e admirador. Só que Moro trocou de partido, Santos Cruz se decepcionou com uma série de dissabores e estava de molho, recolhido em seu sítio em Brasília. A última cogitação é que ele fosse vice de Soraya Thronicke, pré-candidata do Podemos à Presidência, que acabou se lançando pelo União Brasil.
Só que agora chegou o convite para atuar pela ONU, mais uma vez. E o general já aceitou. Confira aqui um resumo da conversa que teve com GZH, na tarde desta quinta-feira (18):
Como o senhor viu esse anúncio feito pelo secretário-geral da ONU?
É uma grande honra. Pelo que vi, ele usou a palavra intent, que em inglês é pretendo. Mas já anunciou meu nome, né... Inclusive na frente do Erdogan (dirigente turco). Só nos resta aceitar (risos).
O senhor já morou na Ucrânia?
Não, morei na Rússia, como adido militar da Embaixada. Mas visitei a Ucrânia e entendo razoavelmente russo e ucraniano. Uma pena tudo isso que acontece por lá.
Em quanto tempo começa sua missão? E quanto ela durará?
Olha, não tem duração prevista ainda. Deve começar em poucos dias. O massacre de prisioneiros foi em 29 de julho. Estou no processo de coletar mais informações, de encaminhar passaporte, documentos, atualizar dados. Será designada uma equipe da ONU para me acompanhar. Faremos uma reunião, não sei ainda se em Nova York (EUA) ou em Genebra (Suíça). Dali iremos para a Ucrânia.
O senhor esperava o convite?
Não. Mas não chega a ser uma surpresa. A gente já tem alguma experiência em missões humanitárias pela ONU, fizemos até relatório sobre procedimentos de forças de paz mundo afora. Então acho que podemos contribuir bastante. Um abraço aos gaúchos aí...