Após rápida passagem pelo governo Jair Bolsonaro, de janeiro a junho de 2019, o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz, 67 anos, está como gosta, de volta à zona de conflito. Não de forma metafórica, como a maioria das pessoas, mas em performance real. Acaba de retornar do front que abala a República Democrática do Congo há pelo menos 21 anos.
Um lugar que conhece como nenhum outro militar brasileiro: entre 2013 e 2015, o oficial comandou em território congolês a Força Militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização (Monusco).
A Monusco é a maior missão dos capacetes azuis na história das Nações Unidas (ONU): envolve aproximadamente 23 mil pessoas, incluindo, além de militares, 1,4 mil policiais e 4,5 mil civis. Santos Cruz retornou ao continente africano para realizar nova avaliação da situação no local, pedido da própria ONU.
O general já tinha comandado a Missão de Paz no Haiti, mas foi no Congo onde enfrentou a barra mais pesada. Enviadas para propiciar segurança, as tropas das Nações Unidas chegaram a virar alvo.
Em dezembro de 2017, 14 militares da ONU foram mortos em confrontos com guerrilheiros locais, um grupo chamado Forças Democráticas Aliadas (ADF, na sigla em inglês), mescla de radicais islâmicos com bandidos comuns.
Com 75 milhões de habitantes, o Congo teve 4 milhões de mortos em batalhas nos últimos 10 anos. Pudera: são mais de 40 grupos rebeldes em conflito, entre eles e deles com o governo. Mais do que política, a grande disputa naquela área é pelo controle de minérios.
É por saber que os militares da ONU são alvo de ataques deliberados que Santos Cruz, quando pisa em território congolês, se desloca com escolta reforçada, mesmo que a contragosto. Na visita ao front em Beni, próximo à fronteira do Congo com Uganda, o general acompanhou em meados deste mês um patrulhamento dos capacetes azuis. Usou colete a prova de balas nível quatro (capaz de resistir a tiros de fuzil) e capacete de aço. Em torno dele, um grupo de seis militares das Nações Unidas com armas pesadas: fuzis e, inclusive, uma metralhadora belga de cinturão capaz de derrubar avião.
Exagero? Nem um pouco. A ONU contabiliza, no total, 90 militares mortos no Congo. Em 2015, o helicóptero em que Santos Cruz se deslocava no país foi atingido por disparos de metralhadora. Ele não se feriu, mas o aparelho fez pouso forçado.
Em outra ocasião, ainda sob sua liderança na missão das Nações Unidas, a mesma guerrilha ADF fez emboscada. Santos Cruz perdeu dois soldados (oriundos da Tanzânia) e amargou saldo de 15 feridos.
As tropas da ONU não deixaram barato. Quando um grupo rebelde tentou tomar a cidade de Goma, com quase 1 milhão de habitantes, os capacetes azuis lideraram uma reação, com militares do governo congolês, que resultou em 400 baixas de guerrilheiros. É um raro caso de tropa de paz que devolve tiros recebidos.
O fato é que, mesmo tendo passado à reserva há sete anos, Santos Cruz tem mais vivências em terreno bélico do que a maioria dos militares brasileiros da ativa. Isso acontece porque o general deixou a carreira das armas, mas as guerras parecem buscá-lo. Foi já como reservista que aceitou comandar a gigantesca força de imposição de paz no Congo, uma babel composta por militares de 20 nações. Queixo erguido num estilo e semblante marcial, que lembra o famoso general americano George Patton, Santos Cruz vai sempre na frente das marchas forçadas, o que rende admiração dos liderados.
Experiência em Mali
O Congo é apenas um dos cenários de conflito que Santos Cruz visitou nos dois últimos anos. Em novembro de 2017 ele foi, por conta da ONU, para o Mali, local de disputa entre governantes cristãos e milícias muçulmanas. Em duas semanas o general presenciou a morte de quatro militares e 30 feridos das tropas das Nações Unidas.
Na República Centro-Africana, atingida por um golpe de Estado, ele fez visitas e elaborou relatórios para evitar o aumento no número de baixas. Depois, com outros analistas, produziu um relatório em que recomendava que soldados em missões de paz devem ser habilitados para tomar a iniciativa de deter, prevenir e responder a ataques. “Esperar em postura defensiva apenas dá liberdade a forças hostis para decidir quando, onde e como atacar as Nações Unidas”, diz o documento. “Infelizmente, grupos hostis não entendem outra língua que não seja a da força”, conclui.
Coringa da ONU e convites internacionais
Santos Cruz virou uma espécie de coringa da ONU para Missões de Paz. Por vários motivos. Liderou 7 mil militares no Haiti e cerca de 20 mil no Congo, o que já é credencial. É fluente em inglês, fala razoavelmente bem francês e espanhol, e até consegue se expressar em russo, por conta de trabalhos pelo Exército no Leste europeu. Quando questionado a respeito, minimiza os talentos que lhe são atribuídos.
O general está de malas prontas para Nova York, cidade que visita várias vezes ao ano, para contatos na ONU. Vai apresentar seu relatório sobre o Congo ao Departamento de Missões de Paz das Nações Unidas (DPO).
Virou globetrotter. A experiência em locais de conflito lhe rendeu convites para conferências em mais de 20 países, entre os quais China, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Argentina, Uruguai, Senegal, Quênia, Ruanda, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Noruega, Suécia, Áustria e Bangladesh. Nesses contatos, discute sobre como liderar e manter a ordem sobre tropas de dezenas de nações com costumes diversos.
– Quando em campo faço análise por uma semana e levo outras duas semanas para escrever um relatório – graceja o general.
Alguma semelhança com os governos aos quais serviu? Pouca, assegura o general. Santos Cruz, é bom recordar, foi secretário nacional da Segurança Pública na gestão do presidente Michel Temer (MDB) e secretário de governo nos seis primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro, quando acabou demitido em decorrência de fogo amigo, ao discordar da aplicação de verbas a sites governistas.
Santos Cruz evita críticas públicas a Bolsonaro, com o qual teve proximidade ideológica. Mas, a amigos, confidencia: atuar no governo é se expor a um “show de besteiras e intrigas”. É virar vidraça e alvo de tiroteio verbal intenso. Muito mais do que nas frentes de batalha, onde ele trafega com tranquilidade.