Os nacionalismos e os revanchismos aflorados pela guerra na Ucrânia mexem com os interesses em regiões na Europa onde questões como fronteiras e convivência entre diferentes etnias não estão bem resolvidas. É o caso dos Bálcãs, área que já viveu conflitos nos anos 1990, após a fragmentação da antiga Iugoslávia.
A tensão entre Sérvia e Kosovo cresceu nos últimos dias e colocou tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em alerta em uma nova frente, além das fronteiras da Ucrânia.
O estopim foi a decisão das autoridades de Kosovo, que declarou independência não reconhecida por parte da comunidade internacional, de exigir dos sérvios que vivem no território documentos extras - placas de carros e uma espécie de identidade temporária. A legislação entraria em vigor na segunda-feira (1º), mas, diante da crise, o governo kosovar aceitou adiar a medida por um mês.
Trata-se de uma ação em reciprocidade ao que já é exigido de kosovares no território da Sérvia.
O pano de fundo é a desconfiança, o revanchismo e as ondas de choque das tensões na Ucrânia. Uma província da antiga Iugoslávia, Kosovo declarou a independência nos anos 1990, dando início a uma guerra com o governo central, comandado à época pelo ditador Slobodan Milosevic.
A Otan interveio, bombardeando tropas iugoslavas. Algumas das cenas mais dramáticas do final do século 20 ocorreram nos Bálcãs, com violações aos direitos humanos empreendidas pelo regime de Belgrado contra os kosovares, de origem albanesa. Foram 79 dias de ofensiva da Otan à Sérvia, até Milosevic aceitar a retirada de suas tropas de Kosovo. Desde então, a aliança militar do Ocidente mantém quase 4 mil militares em Kosovo, integrantes de uma força de paz (Kfor).
Kosovo é um território com uma composição étnica e religiosa diferente da maioria da população que conformava a Iugoslávia. Os kosovares são de origem albanesa e têm como fé o Islã, enquanto os sérvios são cristãos ortodoxos. A Sérvia, maior província da antiga Iugoslávia, é hoje um país independente - e que não reconhece Kosovo como autônomo.
Os sérvios também são próximos da Rússia de Putin, que vê a presença da Otan em Kosovo como ingerência em sua zona de influência. A Sérvia, por exemplo, se negou a condenar a invasão da Ucrânia e não se alia às sanções ocidentais à Rússia.
A crise lembra o argumento de Putin para atacar a Ucrânia. Tanto que uma funcionária do Kremlin chegou a afirmar no final de semana que teme pela segurança dos sérvios que moram no norte de Kosovo. Não é mera coincidência a semelhança com o argumento de Putin de proteger os falantes russos do Donbass, na região leste da Ucrânia.