Em quase 20 anos cobrindo eleições na América Latina, a expressão que mais ouvi dos vizinhos nos dias que antecediam o pleito era "más de lo mismo". Cansados da corrupção, da violência urbana, do desemprego, da pobreza, entre outras chagas que nos "hermana" no subcontinente, eles queriam dizer que os candidatos a receberem seu votos eram "mais do mesmo". Mudam os rostos, as ideologias, mas, no fundo, todos eram iguais.
Esse grito por mudança, expresso não só nas bocas dos latinos, mas também nos muros e, mais recentemente, nas redes sociais, se converteu em realidade no segundo turno da eleição na Colômbia realizado neste domingo (19). Os dois postulantes à Casa de Nariño, o palácio presidencial no centro de Bogotá, eram diferentes de tudo o que o país já vira: anti-establishment e fora do padrão político tradicional. Gustavo Petro, o eleito, é um ex-guerrilheiro que coloca a esquerda no poder pela primeira vez na história do país. Rodolfo Hernández, uma espécie de "Trump tropical", sem plano de governo claro, que se vangloriava apenas de lutar contra a corrupção, foi derrotado. Talvez apenas o velho populismo latino-americano os unisse - à direita ou à esquerda.
Sendo assim, não é difícil prever o futuro da Colômbia. O uribismo, corrente política do ex-presidente Álvaro Uribe, seguida pelo atual Iván Duque, foi o grande derrotado da eleição, mas seguirá forte nos bastidores. Com Petro na presidência, o governo conviverá com fantasmas como questionamentos a sua legitimidade e com a oposição tentando bloquear toda e qualquer iniciativa do mandatário. Esses serão os frutos podres da polarização de um país fraturado, que clama por sutura social, política e econômica. Petro, primeiro, precisará vencer o medo e a desconfiança: quem votou no candidato da esquerda o fez, em grande parte, por temor de Hernández.
Esse será o primeiro desafio do ganhador. Depois, vem mais carga pesada. Por décadas, a violência protagonizada pela guerra civil entre a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Estado conformou a principal preocupação da população. Mas, de uns anos para cá, esse temor foi superado por questões econômicas, como o desemprego e a inflação.
Entre 2019 e 2021, a população foi para as ruas em protestos sem precedentes, que paralisaram a produção, o abastecimento e o transporte em lugares antes inesperados. Havia representações de quase todos os setores na greve geral, o que surpreendeu toda classe política em um país até então estável, sem muitos altos e baixos. O estopim foi a reforma tributária empreendida pelo governo, altamente impopular. Mas como em diversos países latino-americanos, como o Equador e o Chile, cujas ruas foram tomadas por revoltas sociais, havia outras demandas represadas.
O acordo de paz com as Farc, em 2016, abriu uma caixa de Pandora de demandas e problemas que, antes, estavam fora do alcance da população por causa da guerra. No país de 50 milhões de habitantes, 39% da população vive abaixo da linha da pobreza, tomando-se padrões internacionais. Mas um dado curioso, obtido pela pesquisa do Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (Dane), mais de 70% dos entrevistados se consideram pobres. O desemprego chegou em março a 12,1% (anuais) e 64% dos colombianos vivem na informalidade. Tudo isso foi aprofundado pela pandemia de covid-19, que fez da Colômbia o terceiro país com maior número de infectados na proporção da população na América Latina.
Os protestos levaram à retirada do pacote de reforma tributária e à queda do ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla. Mas há desconfiança no ar. E, a qualquer momento, as ruas de Bogotá e Medellín podem voltar a rugir.
Petro ou Hernández mostraram-se, ao longo da campanha, que não eram "mais do mesmo". Haverá mudanças - não necessariamente para melhor.