A corrida pelo comando do Palácio de Nariño, sede da presidência da Colômbia, engendra um pouco de tudo aquilo que boa parte da política mundial está vivendo nesses tempos quase pós-pandêmicos, com reflexos econômicos, de crise da democracia liberal e de redes sociais.
Há três fenômenos distintos, mas que conversam entre si, emersos do resultado do primeiro turno no país vizinho, realizado no domingo (29), a eleição que, já comentei aqui, é a mais importante na América Latina em 2022, depois da brasileira.
Primeiro: a rejeição total aos partidos tradicionais. Federico "Fico" Gutiérrez, representante da centro-direita, que permaneceu em segundo lugar durante a maior parte da corrida eleitoral, alcançou apenas 23,5% dos votos, ficando de fora do segundo turno. Ele é ligado ao atual presidente Iván Duque - o que faz da eleição também a primeira em que o uribismo, corrente política do ex-presidente Álvaro Uribe, não terá candidato próprio ou apoiado no segundo turno desde 2002.
Os candidatos que disputarão a presidência em 19 de junho, na segunda volta, não pertencem às elites que comandaram historicamente a Colômbia. Gustavo Petro, que ficou em primeiro lugar, com 40,32% dos votos, é um ex-guerrilheiro convertido ao sistema, que foi prefeito da capital, Bogotá, e disputa a presidência pela terceira vez. Rodolfo Hernández, o segundo colocado, com 28,15% dos votos, é um candidato antissistema, que financia a própria campanha, baseada fortemente em redes sociais e que foi prefeito de Bucaramanga.
O segundo fenômeno dos novos tempos ou, como preferem alguns da América Latina 2.0, diz respeito a uma onda (por enquanto, ainda em formação) de vitórias, ainda que parciais, da esquerda no subcontinente, após ciclos de governos de direita: o primeiro lugar de Petro, a se confirmar no segundo turno, seguirá os exemplos de Argentina (Alberto Fernández após Mauricio Macri) e Chile (Gabriel Boric depois de Sebastián Piñera).
E, terceiro, a eleição colombiana traz, de novo, a ascensão de candidatos populistas, de extrema-direita, que se dizem apolíticos, outsiders e com discurso anticorrupção. Eles apresentam-se como novidade no cenário político, embora sejam oriundo desse meio (Hernández, como comentei, foi prefeito de Bucaramanga). Também fazem uso intenso das redes sociais, evitam debates na TV ou no rádio e têm pequena representação no parlamento - seu partido, por exemplo, dispõe apenas de dois membros eleitos.
Rejeição aos políticos tradicionais, retorno da esquerda e ascensão de movimentos antissistema são fenômenos do nosso tempo - não apenas na América Latina, mas também nos Estados Unidos e na Europa. As eleições recentes na Alemanha e na França indicaram isso.
No caso colombiano, o cenário ficará muito difícil para o esquerdista Petro no segundo turno. Enquanto ele parece ter atingido o teto de votação, seu adversário, Hernández, está em flanco crescimento. Ele passou de sexto lugar para o segundo em algumas semanas. Desde domingo (29), já recebeu o apoio de Gutérrez, que traz o capital político de seus 23,9% dos votos. Se todos os eleitores da direita tradicional se unirem à direita radical, o "velhinho do TikTok", como ficou conhecido Hernández, de 77 anos, somaria, em tese, 52,% no segundo turno, superando Petro. Seria eleito presidente.
A união das direitas é um fenômeno colombiano às avessas, embora semelhante, ao que ocorreu na França - da aglutinação das forças tradicionais (esquerda, centro e direita) para evitar o triunfo da extrema-direita.
Hernández tem a seu favor forte narrativa: aos 77 anos, é visto por parte dos eleitores como "alguém incapaz de fazer o mal, porque é idoso". Aos olhos do eleitor, também não roubaria "porque é rico". Fantasias, obviamente.
Embora não apresente plano de governo concreto, fuja dos debates e aposte em soluções simplistas para problemas complexos, como a inflação, o desemprego e a vida pós-covid, ele incorpora muito bem o medo do "comunismo" e da venezualização, cuja situação parâmetro para comparação fica ali do lado. Aliás, a vitória da esquerda seria algo inédito na história da Colômbia, cuja história é marcada pelo conservadorismo e pelos laços com os Estados Unidos.
No caso colombiano, outro desafio para a esquerda é que, diferentemente de Argentina e Chile, a eleição lá está muito mais polarizada. O que, além de riscos para a democracia, traz também perigos de o pleito ser marcado por atos de violência. Segundo a organização Misión de Observación Electoral, em 2018, na vitória de Iván Duque, o país registrou 322 casos de violência com motivação eleitoral. Neste ano, foram 683, alta de 112,1%.