A eleição presidencial na Colômbia, no próximo domingo (29), só perde em relevância política na América Latina para a disputa no Brasil, em outubro. O que os eleitores do país vizinho decidirem nas urnas irá ditar os rumos do subcontinente, em especial dirá se uma nova onda de esquerda, iniciada com a vitória de Gabriel Boric, no Chile, em dezembro, se consolidará.
Por enquanto, pode-se dizer que há outra onda poderosa - e perigosa para a democracia - em movimento. A insatisfação da população com os partidos tradicionais e a descrença nas instituições, em parte frutos da corrupção que, em maior ou menor graus, nos irmana como latino-americanos.
Esse cansaço da política tradicional leva a campanha colombiana a dois fenômenos curiosos: a possibilidade de, pela primeira vez, a esquerda chegar ao poder no país historicamente governo pelas elites liberais e conservadoras; e a ascensão de um candidato que se proclama antissistema, oriundo da direita radical, que promete passar o país a limpo.
A única certeza, segundo as pesquisas, é que não teremos o resultado em primeiro turno. O esquerdista Gustavo Petro, economista, senador e ex-integrante do M-19 (Movimento 19 de Abril), grupo guerrilheiro que aterrorizou o país nos anos 1970 e 1980 até largar as armas e ingressar na política, tem 41% da preferência. Ele é seguido do ex-prefeito de Medellín Federico Gutiérrez (27%), representante da centro-direita. O fenômeno dos últimos dias de campanha, no entanto, é Rodolfo Hernández, empresário, ex-prefeito de Bucaramanga, conhecido como "Trump colombiano", que passou de 8,2% da preferência, em março, para 20,3%, em maio. O segundo turno está marcado para 19 de junho.
Hernández soube capitalizar a insatisfação dos colombianos. Filho de agricultor, ele conseguiu se tornar um dos homens mais ricos do país, o que passa a imagem aos eleitores de que "não vai roubar". Como Donald Trump, o candidato de 77 anos financia a própria campanha, ancorada nas redes sociais, o que lhe valeu outro apelido: "Velhinho do TikTok", graças a vídeos folclóricos. Seu lema é acabar com a corrupção e com os privilégios. Recentemente, ele recebeu o apoio da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, que ficou seis anos como refém da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Aliás, Hernández, que já elogiou Adolf Hitler, tem duas histórias trágicas relacionadas à guerra civil que ensanguentou o país: seu pai ficou quatro meses nas mãos das Farc, e sua filha foi sequestrada por outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), em 2004. Ela nunca reapareceu.
Já Petro, o favorito, hoje com 62 anos, combateu o Estado até o início dos anos 1990, como militante do M-19, grupo conhecido por uma das ações mais terríveis da história da Colômbia. Em 1985, a organização invadiu o Palácio da Justiça, no centro de Bogotá, fazendo mais de 300 reféns - entre eles, 23 juízes da Suprema Corte. Eles exigiam a presença do então presidente Belisário Betancur para ser julgado por "crimes contra o povo colombiano". O exército colombiano invadiu o prédio, dando início a uma batalha de 27 horas na qual morreram todos os 35 guerrilheiros e 65 reféns. O grupo deu adeus às armas em 1989, integrando-se à política tradicional.
Petro ficou um tempo exilado na Europa e retornou ao país, onde tornou-se congressista e depois prefeito de Bogotá (2012-2015). Se vencer, o velho inimigo da caserna será o comandante de 228 mil soldados, a segunda maior forças armadas do subcontinente, depois do Brasil.
Ambos os candidatos falam em "paz", a palavra mais repetida na campanha. Mas a disputa presidencial mais polarizada da história recente da Colômbia pouco abre margem para imaginarmos um futuro otimista.