Não há dúvidas de que há uma escalada do conflito na Ucrânia, e os riscos de transbordamento para além das fronteiras ucranianas, tragando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o campo de batalha, aumentaram de sexta-feira (11) para cá.
Até então poupada de bombardeios, a região oeste da Ucrânia passou a ser atacada por forças russas mais intensamente: primeiro, foram os aeroportos de Lutsk (80 quilômetros da fronteira polonesa) e de Ivano-Frankivsk (100 quilômetros). Depois, foi a vez da unidade militar de Yavoriv, a apenas 25 quilômetros da fronteira da Otan, ser alvo de pelo menos oito mísseis.
Esse terceiro ataque, que matou 35 pessoas e feriu mais de 130, é ainda mais provocativo não apenas pelo aspecto da proximidade com a fronteira polonesa, o país da Otan mais exposto à guerra. Mas porque, em Yavoriv, funcionava o Centro Internacional para a Manutenção da Paz e Segurança (IPSC, em inglês).
O local é normalmente usado para treinamento de militares ucranianos e membros da Otan, principalmente como parte da Parceira para a Paz, um programa destinado a melhorar a cooperação entre membros e não membros (caso da Ucrânia) da aliança militar, particularmente para missões de manutenção da paz. O quartel, de 390 quilômetros quadrados, pode acomodar até 1.790 pessoas - ou seja, a unidade militar poderia, na hora do ataque, estar crivada de oficiais estrangeiros, o que arrastaria, imediatamente, a Otan para o conflito.
Até onde se sabe, todos os mortos e feridos foram ucranianos. Mas o recado foi dado: trata-se, até agora, da provocação mais direta a que a Rússia fez à Otan na atual crise.
Na sexta-feira (12), o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que se algum membro da aliança for atacado, o grupo de países irá responder - e teremos a Terceira Guerra Mundial. Até o momento, a Otan tem feito de tudo para evitar se envolver diretamente no conflito. Mas, na realidade, indiretamente, já está dentro. Rejeitou os apelos do presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, para o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia (porque a eventual violação pela aviação russa obrigaria a uma resposta e teríamos a guerra total) e vetou o envio de caças MiG que a Polônia queria doar à Ucrânia. No entanto, países da Otan, individualmente, têm cedido apoio financeiro, armas e equipamentos de defesa para Kiev. Sabe-se que boa parte desse apoio material ingressa pela fronteira polonesa. Daí, que o ataque à base de Yavoriv é mais um alerta. A Rússia já havia avisado que atacaria qualquer comboio europeu que transporte armas para dentro da Ucrânia.
Tanto a Otan está envolvida indiretamente que já dobrou o número de militares, aviões e navios posicionados na Polônia, Romênia e Letônia, nações que a aliança considera mais vulneráveis à ação russa.
Como é impossível prever o que passa na cabeça de Putin, ficamos com a possibilidade de um "erro de cálculo", lembrando que grandes guerras começaram por "acidente". A Primeira Guerra Mundial teve como estopim o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro Francisco Ferdinando em Sarajevo, em 1914. O conflito estouraria sem esse ato? Provavelmente. Quando o arquiduque sofreu o atentado, a Europa já estava armada e com sangue nos olhos para a guerra, ou seja, a máquina de alianças já estava se movimentando rumo ao abismo.
Assim também é no caso ucraniano. O risco maior é de um "incidente" - intencional ou não - em território aliado ou envolvendo estrangeiros. O uso de armamento cada vez menos preciso (por razões econômicas) pelas tropas de Putin pode elevar essa ameaça: por exemplo, a queda de um míssil russo na Polônia ou um artefato fortuito despencar sobre uma embaixada estrangeira em Lviv. Vale, aliás, lembrar que as sedes de muitas representações diplomáticas europeias e dos EUA foram transferidas para essa cidade, justamente porque a região ainda era poupada do conflito. Desde sexta-feira (11), não é mais.
Um "incidente" - de novo, intencional ou não - faria a Otan automaticamente acionar o artigo 5º do grupo, segundo o qual um "ataque contra um membro é um ataque contra todos".
Já houve um incidente, ainda que leve, na quinta-feira (10). Um drone de fabricação soviética (Tu-141, dos aos 1970) de seis toneladas e transportando uma bomba caiu em uma praça de Zagreb, na Croácia. Não houve mortos ou feridos, mas 40 carros estacionados na área sofreram danos. Perto dali, havia um campus universitário que abriga 4,5 mil estudantes. Tanto Rússia quanto Ucrânia negam que o aparelho seja deles - mas ambos os possuem em seu arsenal.
O drone cruzou os espaços aéreos de três países da Otan (Romênia, Hungria e Croácia) sem ser detectado pela Otan. Algo falhou. Passou desta vez. Passará na próxima?