É difícil, mas vamos tentar olhar a metade cheia do copo. Em diplomacia, enquanto o diálogo continua existindo, há esperança. Em nenhum dos três encontros entre as delegações ucraniana e russa, a conversa entre os dois lados cessou. Pode não ter saído de Belarus ou da Turquia o tão esperado cessar-fogo para o conflito que entra nesta segunda-feira (14) no 19º dia, mas não se pode considerar as tentativas de diálogo fracassos completos. Afinal, em qualquer negociação, a confirmação de um próximo encontro é base zero de qualquer delegação - o mínimo a ser atingido para que ninguém saia de mãos abanando diante das câmeras.
Por enquanto, as negociações entre Ucrânia e Rússia têm buscado a abertura de corredores humanitários para a fuga de populações. Isso foi concretizado na sexta-feira (11), ainda que Vladimir Putin, do alto de seu cinismo, tenha prometido com uma mão poupar civis enquanto, com a outra, lança bombas sobre maternidades e hospitais.
Cresce, no entanto, nos canais diplomáticos entre Moscou e Washington, onde realmente essa guerra será decidida, expectativas mais promissoras de um acordo para os próximos dias. Até um encontro cara a cara entre Volodimir Zelensky e Putin é provável. Seguindo a cadeia de comando, as negociações começaram com duas reuniões entre escalões menores dos dois lados. O último, na sexta-feira, foi o primeiro de alto escalão, entre os ministros das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, e russo, Sergei Lavrov. Zelensky e Putin não serão conduzidos a uma reunião com o mundo olhando para eles para sair dela sem ao menos um cessar-fogo.
Russos e ucranianos estão no limite. O Kremlin não conseguiu a rápida tomada de Kiev. Ou não quis. Não esqueçamos que, em alguns casos, é mais estratégico manter a ameaça do que arcar com os custos internos e externos de uma ocupação - os Estados Unidos que o digam. As tropas russas enfrentam problemas de uma guerra urbana convencional, em manter áreas dominadas e para garantir cadeias de suprimentos. Nessa batalha entre Davi e Golias, a Ucrânia tem seus méritos: praticamente sozinha (o apoio do Ocidente tem sido pífio até agora, para não melindrar Putin), o país tem resistido a investidas de uma potência nuclear, o que não é pouco.
Neste domingo (13), um dos negociadores ucranianos, Mikhailo Podoliako, conselheiro de Zelensky, afirmou que um acordo pode sair nos próximos dias. Reitera a narrativa de que a Ucrânia não vai ceder, mas estabelece o que quer: o fim da guerra e a retirada das tropas. Leonid Slutski, negociador russo, também tem sido otimista sobre um possível acordo, embora não deixe claras as condições.
Sejamos sinceros: qualquer paz, se houver, será sob os termos russos. Isso significa o reconhecimento da Crimeia como território russo (ou sobre sua influência direta), junto com as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk. Ou seja, com menos de 30 dias de guerra, Putin pode ter atingido dois objetivos com um só golpe. Levará para casa o reconhecimento de uma região ocupada e anexada ilegalmente desde 2014 _ e com o reconhecimento ucraniano, o Ocidente terá de engolir -, e, de lambuja, abocanhará dois nacos de terra reivindicados há tempos. A outra das concessões ucranianas deve ser a promessa assinada de que o país jamais entrará na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e, por tabela, na União Europeia (UE). Essa é mais fácil. A Otan nunca quis a Ucrânia como membro (isso é invenção de Putin), até porque, sob o estatuto da aliança militar, não são integrados países com litígios de fronteira. Putin pode até ter perdido a guerra da opinião pública mundial, mas, ao final da partida, vai atingir seus objetivos. Como no xadrez, talvez tenha sacrificado a rainha para dar o xeque-mate.