Muita gente não entendeu exatamente o que Emmanuel Macron quis dizer quando afirmou, em 3 de março, que o pior ainda estava por vir. Agora que o conflito na Ucrânia entra em seu 16º dia, a crueza do front dá pistas sobre as preocupações externadas àquela altura pelo presidente francês.
Vladimir Putin subestimou a resistência ucraniana. Imaginou que Kiev cairia no primeiro dia da guerra, que o conflito teria uma resolução rápida, com ocupação fulminante das principais cidades, com baixo custo financeiro e humano. Mais: pensou que os soldados russos seriam recebidos com braços abertos e flores nas mãos pela população ucraniana. Afinal, como Estado independente, a Ucrânia tem apenas três décadas de existência. Não haveria um espírito de nação. Quem defenderia sua soberania? O presidente Volodymyr Zelensky e os soldados ucranianos bateriam em retirada assim que os tanques russos dobrassem a esquina.
Putin se enganou. Passadas duas semanas de guerra, não foi o que aconteceu.
Ao contrário, CEOs de empresas trocaram terno, gravata e caneta por uniforme de combate, capacete e fuzil. Pais de família enviaram mulheres e crianças para fora da Ucrânia e cerraram fileiras em defesa de suas comunidades. Mais e mais estrangeiros viajam para a Ucrânia para se unir à resistência.
Resultado: a Rússia não ocupou Kiev, embora a tenha cercado (o mesmo ocorre em cidades como Mariupol, Sumy e Kharkiv). As tropas enfrentam problemas para manter áreas dominadas e garantir cadeias de suprimentos. E, conforme a guerra se prolonga, os soldados se extenuam e os equipamentos se desgastam.
Sabem o que ocorre com tropas com moral baixa lideradas por governantes querendo acabar com tudo isso de uma vez?
Massacres, terra arrasada, o horror.
Putin não vai aceitar a derrota porque sabe o preço doméstico de aventuras malsucedidas no Exterior: como lembra Leon Aron, no The Washington Post, todas as derrocadas, ao longo da História russa/soviética, resultaram em mudança sociais radicais. A Guerra da Crimeia (1853-1856) desencadeou a revolução liberal do imperador Alexandre II. A Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) ocasionou a Revolução Russa. A catástrofe da Primeira Guerra Mundial resultou na queda do czar Nicolau II e na Revolução Bolchevique. E o atoleiro (o soviético) no Afeganistão corroborou para o fim da URSS.
Putin colocou seu governo à prova. Vai para o tudo ou nada.
Infelizmente, daqui para frente, ele e seus homens serão impelidos a resolver a questão ucraniana rapidamente. E cenas caóticas como a da maternidade atacada em Mariupol se tornarão mais frequentes. A ira do Kremlin se abaterá ainda mais sobre a população ucraniana em episódios conhecidos no jargão militar como efeitos colaterais - eufemismo para a morte de civis.
Enquanto estava na estação de trens de Lviv, há uma semana, minha mente atormentada por aquelas cenas de fuga desesperada de uma massa humana ucraniana supunha que Putin jamais atacaria aquele local, onde milhares de mães, pais e filhos, se engalfinhavam para tentar deixar o país. Afinal, aquele era um local conhecido pelas forças armadas russas. Ele não seria louco de matar impunemente civis.
Hoje, sabe-se que sim. Putin seria capaz disso, com o mesmo cinismo que bombardeia hospitais enquanto permite corredores humanitários.
Só há uma saída na cabeça da Rússia para não adiar mais a ocupação do país: subjugar os ucranianos, colocar a Ucrânia de joelhos, dobrar a aposta mais uma vez. É sobre isso que Macron falava quando dizia que o pior estava por vir.