— Guarde esse seu copo.
Essa foi a primeira recomendação que recebi quando pisei no hall central da estação ferroviária de Lviv, a principal cidade do oeste da Ucrânia. A sugestão veio de uma voluntária que me entregou um copo de plástico até quase transbordar com água. O cuidado para manter intacto o recipiente pelo tempo que eu permanecesse na estação se deve à carência de materiais, itens de higiene e combustível. Na sequência, ela ofereceu:
— Tem comida, pode pegar.
O hall central da estação está transformado em um campo de refugiados. Há famílias inteiras deitadas no chão, sobre malas e mochilas, ou recostadas nas paredes. O belo lustre no centro do local está apagado. Apenas as luzes secundárias estão acesas, o que confere um cenário lúgubre à peça. Com as famílias, além de bebês de colo e crianças maiores, quem foge da guerra carrega seus pets. Um grande husky siberiano aguardava o embarque ao lado do dono. As grandes portas em madeira estão abertas, o que faz circular o ar pelo salão principal. Ao lado, há outra peça, com mais pessoas esperando por trens. O fato de as janelas estarem fechadas nesse ponto confere um ar abafado ao recinto.
O acesso às plataformas dos trens está lotado de gente espremida à espera da partida. Policiais passam ao lado observando possíveis suspeitos infiltrados. Um dos oficiais percebe um rapaz com capuz, paralisado em um canto, e lança o facho da lanterna em seu rosto. O jovem desperta, possivelmente dormia em pé.
Ao sair da estação, há uma cena de contraste: neva em Lviv nesta noite, mas a imagem que poderia ser bela logo é rompida pelo sofrimento. À direita de quem deixa o majestoso prédio, pessoas ao relento fazem fogueiras para se aquecer.
GZH chegou a Lviv às 23h48min (17h48min pelo horário de Brasília), depois de três horas de viagem a partir de Przemysl, na Polônia. A reportagem viajou no último trem que saiu da estação polonesa, na noite desta quarta-feira (2). Após duas horas de espera, período em que os refugiados chegados da Ucrânia desembarcavam na Polônia, foi possível ingressar na composição. Quarenta e três pessoas viajaram no penúltimo vagão do trem, onde estávamos. A maioria, homens. Poucas mulheres. Nenhuma criança. Um casal de jovens, que passara férias no Sri Lanka, contou que estava havia uma semana tentando voltar a seu país. Pergunto por que retornar:
— É minha casa — diz ele.
— Saímos quando não havia guerra e voltamos com ela — lamenta a mulher.
Um outro rapaz, cidadão turco, está voltando para a Ucrânia porque deixou a namorada aqui.
— Estou feliz por voltar — afirma.
O semblante do rapaz é semelhante ao de um grupo de três senhoras que sentou ao meu lado. Elas conversam entre si, e não raras vezes soltam uma risada. Outros passageiros preferem cochilar. Alguns lançam o olhar na escuridão, tentando enxergar algo através dos vidros. Nas passagens por ruas, quando as cancelas costumam interromper o tráfego de veículos, era possível ver militares e voluntários vestindo coletes amarelos.
Ao longo da viagem, as luzes do trem foram apagadas em dois momentos — um deles, na saída da estação polonesa e o outro, após a passagem do posto fronteiriço. Se era uma medida de segurança para evitar a identificação de um veículo em movimento ou mera falha elétrica, não foi possível identificar. Mas a escuridão a caminho da Ucrânia em guerra, por uns dois minutos, acrescentou uma dose de tensão a quem tentava voltar para casa, de onde muitos buscam sair.