A paulista Clara Magalhães, 31 anos, é uma espécie de salvadora de brasileiros que tentam fugir da guerra. Morando na Alemanha e diante dos apelos desesperados de quem está retido no interior do território em conflito, a brasileira decidiu deixar Leipzig de carro e rumar para a Ucrânia. Na fronteira com a Polônia, em Medyka, onde GZH está, ela ingressou no país em conflito.
— O carro estava vazio. Então, alguém me perguntou: "Posso colocar isso aqui pra você levar para o outro lado?" Eu falei: "Bota, bota!". Encheu o carro. E, mesmo com o carro cheio, ainda fiquei com a culpa de não ter enchido mais. Poderia ter levado água embaixo dos bancos, porque é dolorido quando uma mãe vem com a criança e pergunta: "Você tem água?" Eu só tinha quatro garrafinhas pequenas. As pessoas falavam: "Você tem meia?" Não tinha. Eu tinha fraldas... mas acabou — conta Clara.
Logo ao ultrapassar a fronteira ucraniana, ela foi confrontada com um cenário de desespero de centenas de milhares de pessoas tentando sair em direção à Polônia.
— Uma vez que você entra, não tem mais como sair. A fila tem 40 quilômetros de carros — diz.
Muita gente desiste no caminho e tenta retornar a Lviv, a maior cidade da região, distante 80 quilômetros da fronteira polonesa.
— Coloquei um papelão com a bandeira do Brasil no vidro. Estava dirigindo e gritando: "Brasileiros, América Latina!".
Ela buscava um grupo de três brasileiros que estava em um posto de combustíveis. Ela havia recebido a localização por meio de mensagens de um deles.
— Fui no ponto, não tinha mais internet, fazia duas horas que ela tinha me mandado mensagem e não tinha nada. Dei carona para um nigeriano e uma ucraniana, e disse olha: só posso trazer vocês até aqui porque estou procurando os brasileiros. Na hora que parei, uma menina ouviu: "Brasileiros?" Eu disse: "Sou brasileira, eu estou procurando brasileiros".
Foi quando ela os encontrou. Tratam-se de Edson Fernando, Talles Brenner e Jessika Ariani, que se juntaram à ucraniana Aleksandra e ao nigeriano Don Caleb.
— Nisso, eu já tinha a ucraniana e o nigeriano no carro e não tinha como colocar eles pra fora. Perguntei: "Tudo bem se vocês se esmagarem no carro?" Se vocês se esmagarem, a gente vai embora juntos — conta.
Todos aceitaram. O grupo então percorreu 210 quilômetros até a fronteira com a Eslováquia, na tentativa de sair. Não foi permitido o ingresso. Decidiram, então, rumar para a Hungria.
— Se não der nessa fronteira, a gente vai para a próxima. Se não der, vamos pra Romênia, Moldávia. Se não der certo na Moldávia, a gente abandona o carro e vai a nado — lembra.
Até a Hungria, o grupo levou 16 horas para percorrer dois quilômetros. Foi onde conseguiram deixar o território em conflito.
— A gente parou pela primeira vez desde sexta em algum lugar — contou ela a GZH na manhã desta segunda-feira (28). — Desde sexta, só durmo dentro do carro, quando durmo — diz Clara.
A brasileira faz MBA e dois estágios na Alemanha. Além disso, mantém uma empresa de ensino jurídico no Brasil.