Uma tempestade perfeita se abateu sobre o arquipélago de Sua Majestade duas semanas depois de o Reino Unido ter se tornado o primeiro país do Ocidente a aprovar o uso emergencial da vacina contra a covid-19. A União Europeia (UE) e boa parte do mundo fecharam suas portas para a nação, isolada por água, ar e terra (o Eurotúnel) devido à descoberta de uma mutação do coronavírus 70% mais contagiosa. O país já começa a se preocupar com problemas em suas cadeias de abastecimento, com risco de falta de mercadorias em pleno Natal.
São por razões diferentes, mas não deixa de ser simbólico o que está ocorrendo a apenas 10 dias do rompimento total do Reino Unido com o bloco econômico. O caos nas cadeias de abastecimento é uma amostra de um futuro possível, no caso de um divórcio litigioso com a entidade supranacional e sem um acordo comercial que evite barreiras alfandegárias.
O aparecimento da variante do coronavírus é um revés para o primeiro-ministro Boris Johnson, que deu exemplo ao mundo ao autorizar, no último dia 8, o uso emergencial da vacina da Pfizer/BioNTech. Agora, seu governo enfrenta uma dupla crise: o temor da nova cepa no momento em que a curva de contágio começa a se elevar e a dificuldade para fechar um acordo para a vida pós-Brexit.
A UE diz que não se trata de punição prévia, mas o bloqueio revela a pouca solidariedade com que o bloco está disposto a tratar o futuro ex-membro a partir de 31 de dezembro. A situação mais preocupante é na relação com a França, que fechou sua fronteira à entrada de pessoas e caminhões, interditando uma das principais artérias comerciais com a Europa continental - transporte por caminhões pelo Eurotúnel e por meio de navio, entre os portos de Dover e Calais.
O Reino Unido deixou a UE em 1º de janeiro. 2020 seria o ano da transição para um divórcio amigável, em que as regras para a convivência após a saída seriam definidas. Mas, como ocorreu em quase toda a saga do Brexit, os dois lados não conseguem chegar a um acordo para manter o clima de boa vizinhança daqui para frente. Conseguir o adiamento das negociações com Bruxelas, a essa altura, seria o mais saudável - o país já usou de todos os estratagemas possíveis para adiar diálogos incômodos nesses quatro anos da novela do Brexit, mas a covid-19 é mais do que um argumento aceitável.
Em meio a novo alerta global, quatro notícias tranquilizadoras...
1) Pesquisadores garantem que as vacinas desenvolvidas contra o coronavírus seriam eficientes contra essa nova cepa.
2) Mutações de vírus são comuns, também dizem os cientistas. O coronavírus que chegou ao Brasil não é o mesmo que surgiu em Wuhan, na China, um ano atrás.
3) O produto da Pfizer/BioNTech vem da Bélgica, um dos países que fechou fronteiras com o Reino Unido, mas a entrega não será afetada, segundo autoridades. O Reino Unido precisa acelerar a vacinação da população - até agora foram imunizadas 400 mil pessoas, em geral idosos, cuidadores e profissionais de saúde receberam a primeira dose. Falta a segunda.
4) O mapa-múndi dos países que iniciaram ou iniciarão a vacinação cada vez se torna mais colorido: agora, a UE começará a imunização de forma emergencial de sua população no dia 27.
E uma notícia preocupante...
Poucas vezes na história, um evento internacional desafiou tanto nossa resiliência. Duas semanas depois da esperança da vacina, veio a notícia da mutação. Tudo indica que não nos livraremos tão cedo do coronavírus.