Onde estão os caciques do Partido Republicano, homens e mulheres com carreiras políticas sólidas, que, nesse momento, poderiam pressionar, em nome do respeito às instituições americanas, o presidente Donald Trump a reconhecer o resultado das urnas? Por que não agem, passando a sensação de que abriram mão de seu legado e tradição para embarcar em uma aventura política de final perigoso para a democracia?
Essa história começou há pouco mais de quatro anos, quando, em troca de voltar ao poder, a legenda cujo símbolo histórico é o elefante caiu no canto da sereia de um projeto político de um empresário do ramo imobiliário, com passagem pela TV como apresentador, com ganas de poder e tons de autoritarismo, para reconquistar a Casa Branca.
Pré-candidato, em 2016, Trump ia se cacifando à vaga com velocidade diretamente proporcional a do abandono de figuras tradicionais do partido. A família Bush e os veteranos John McCain e Mitt Romney, candidatos derrotados por Barack Obama em 2008 e 2012, respectivamente, foram os primeiros a reconhecer os riscos do bilionário no poder.
É compreensível que a maioria do partido tenha abraçado o projeto de poder da família Trump. Após oito anos afastados da Casa Branca, os republicanos dobraram a aposta: caíram no canto da sereia de uma figura construída por Steve Bannon, surfando na estafa dos americanos com a política tradicional.
Hoje, o partido tem dificuldades de resgatar sua essência. E, com Trump aquartelado no Salão Oval, é alvo de chacota internacional ao verem seu presidente apegado à cadeira presidencial, colocando interesses pessoais acima do partido — e da nação — e desqualificando o sistema eleitoral que garantiu, por ora, inclusive a manutenção da maioria republicana no Senado e a ampliação de cadeiras na Câmara dos Representantes.
Uma das vozes mais ponderadas da legenda, o senador Romney afirmou estar preocupado com expressões utilizadas pelo presidente, como eleições "manipuladas e roubadas".
— Essa é uma linguagem utilizada por autoritários pelo mundo. É importante não adotá-la para que não leve a um caminho que será muito infeliz para o país — disse.
Na tropa de choque de Trump está o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell e o secretário de Estado, Mike Pompeo, que ecoam a narrativa de que há "votos ilegais".
A tensão nas entranhas republicanas se dá em grande parte porque hoje o partido também depende de Trump. Segundo candidato mais votado da história dos EUA (o primeiro foi Joe Biden), o presidente conquistou um número impressionante de votos (71 milhões) e acrescentou pelo menos mais 9 milhões de eleitores à legenda em quatro anos. E, embora os republicanos tenham mantido momentaneamente a maioria no Senado, a disputa por duas cadeiras se encaminha para o segundo turno, em 5 de janeiro. Sem elas, a vantagem na Casa irá sumir.
Ou seja, os republicanos precisam manter eleitores energizados por ao menos mais dois meses. Como Trump perdeu, mas a montanha de votos do candidato mostra que o trumpismo está vivo, qualquer um que almeje liderar o partido precisa não só beber da narrativa negacionista do presidente, mas de seu aval.
O aspecto quixotesco da novela de Trump é o fato de que até a primeira-dama, Melania, e seu genro, Jared Kushner, teriam o aconselhado a reconhecer, por fim, a derrota. Dá para imaginar?
Não fosse vida real, seria uma daquelas cenas históricas de qualquer série de TV mais elaborada sobre os bastidores da Casa Branca. Ao menos nesse momento, no epílogo de seu governo, Trump, que ao longo de quatro anos fez da administração uma extensão da família, deveria ouvir o conselho dos que lhe são mais próximos.