A essa altura, passadas 72 horas da vitória de Joe Biden na Pensilvânia, que o consagraram presidente eleito dos Estados Unidos, no sábado (7), é quase inimaginável pensar que Donald Trump passará o poder de forma pacífica ao rival.
Ao contrário, fará de tudo para entravar a transição, uma vez que não reconhece o resultado do pleito. Não espere, por exemplo, cenas como a de Trump convidando Biden para uma visita ao Salão Oval, como fez Barack Obama com o adversário, em 2016, abrindo-lhe as portas da Casa Branca, após a vitória do republicano sobre Hillary Clinton.
Trump vai complicar, espernear, se apegar à cadeira presidencial. Uma amostra disso é a inatividade da General Services Administration (Administração de Serviços Gerais), uma normalmente pouco lembrada agência federal encarregada da administração dos prédios públicos dos Estados Unidos. Como manda a Lei de Transição Presidencial, de 1963, essa agência normalmente expede uma carta, poucas horas depois do anúncio do vencedor pela imprensa (lá não há um órgão superior eleitoral), que dá a largada na transição. Na prática, trata-se de um documento assinado pela chefe do órgão, que libera recursos para o pagamento de salários a novos funcionários (este ano, orçado em US$ 9,9 milhões). A Administração também viabiliza acessos burocráticos fundamentais para a transição - desde crachás para que os representantes de Biden possam entrar nos prédios públicos, passando por senhas para acesso aos computadores, informações de andamento de projetos até, mais delicado, documentos confidenciais do governo.
Nada disso foi, por enquanto, iniciado. A gestão Trump tem evitado qualquer movimento que possa ser entendido em nível doméstico ou internacional como o reconhecimento da vitória de Biden - e consequentemente de sua derrota. Mesmo assim, nos bastidores, a transição já começou. Além de Biden e Kamala Harris terem anunciado o comitê de combate à covid-19, criado um site com as políticas que são prioritárias do futuro governo, há autorização para que os democratas estabeleçam um escritório na sede do Departamento do Comércio, em Washington.
Pode parecer apenas birra de Trump, mas, com a demora em liberar acessos, ele tem capacidade de dificultar o início do governo Biden, uma vez que sobra menos tempo para os novos funcionários absorverem conhecimentos sobre temas fundamentais da administração, bem como para a indicação de nomes do primeiro escalão - que ao contrário do Brasil precisam passar por aprovação do Senado e ter sua vida escrutinada pelo FBI - e dos mais de 4 mil cargos que o democrata tem à disposição em diferentes níveis.
Não está claro quando oficialmente a equipe de Biden colocará as mãos nas chaves do governo - se depois que todos os recursos dos advogados de Trump forem analisados pela Justiça ou se após o colégio eleitoral se reunir para ratificar a decisão dos Estados na eleição. A segunda hipótese é mais provável. O que era uma mera formalidade, o encontro dos delegados para confirmar os votos dos respectivos Estados, em 14 de dezembro, vai ganhar ares de anúncio oficial da vitória de Biden. Faltarão 37 dias para a posse. É muito pouco tempo diante do grau de urgência de algumas medidas que precisam ser implementadas, como o combate à covid-19.