Resiliência é a propriedade física que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. No sentido metafórico, dizemos que se trata da capacidade de se recompor facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.
A pandemia testa nossa resiliência. Mas a segunda onda cobrará ainda mais.
Os confinamentos (lockdowns) na Europa, muito mais rigorosos do que por aqui, geraram um efeito colateral esperado de liberação geral quando o verão no Hemisfério Norte chegou: praias do Mediterrâneo cheias, bares e restaurantes lotados e economias em busca de recuperação, após meses em que a União Europeia se fechou como em nenhum outro momento de sua história, com voos interrompidos e fronteiras recrudescidas.
Agora, quando o inverno europeu bate à porta e a humanidade ainda desconhece uma vacina, a segunda onda se apresenta com fenômenos epidemiológicos diferentes. O vírus tem provocado mais infectados em números totais e entre a população jovem e menos mortes. Há também reações política e social distintas.
O lockdown foi prometido como uma medida de exceção, que abalou as economias nacionais e do bloco. Agora, seus efeitos financeiros, psicológicos e sociais são conhecidos. Sem vacina, as medidas de restrição ainda são as únicas armas eficientes quase um ano depois do surgimento do coronavírus na China.
Diante do avanço incansável da pandemia na Europa, a França anunciou na quarta-feira (28) um retorno ao confinamento e a Alemanha uma drástica restrição de suas medidas sanitárias, enquanto o mundo registrou um recorde de mais de meio milhão de casos de covid-19 em um único dia.
Em Paris, o presidente Emmanuel Macron afirma que as decisões serão "difíceis", mas o confinamento seria menos estrito do que o da primeira onda, pois escolas e os serviços públicos permanecerão abertos. O temor principal é de um colapso dos Centros de Terapia Intensiva (CTIs), que já estão com mais da metade dos 5,8 mil leitos ocupados, em um país que registrou o recorde de 50 mil infecções em apenas um dia.
Com quase 11 mil mortes, a Alemanha está - como na primavera europeia - melhor do que França, Espanha e Itália. Mas as novas infecções atingiram um recorde, com quase 15 mil em apenas um dia. Outros países da Europa estão em uma trajetória parecida, como a República Tcheca, onde um toque de recolher noturno entrou em vigor nesta quarta-feira (28).
Os governos já não têm à disposição o argumento da excepcionalidade. E crescem movimentos sociais de rejeição ao fechamento. As novas medidas são insuportáveis para muitas pessoas. Na Itália, milhares de pessoas saíram às ruas na segunda-feira (26), com incidentes violentos em Milão e Turim, as duas grandes cidades do norte do país, afetadas pela crise de saúde na primeira onda da pandemia.
Na Espanha, exaustos após uma luta contra o coronavírus por mais de seis meses, vários médicos do serviço público iniciaram na terça-feira (27) uma greve nacional, a primeira em 25 anos, para exigir mais reconhecimento.
A Europa, como se sabe, é preâmbulo do que vivemos aqui em termos de pandemia. Lá, o inverno chegará sem vacina. Aqui, esperamos que a imunização venha antes da temporada mais gelada. Nos cabe não repetir os erros europeus, enquanto há tempo. E torcer para a ciência chegar antes da segunda onda. Nunca resiliência foi tão importante.