Nos últimos cinco meses, os europeus comemoraram aliviados o fim do confinamento para conter a disseminação do coronavírus, que levou milhares à morte no continente no primeiro semestre. Praias lotadas, encontros em cafés e restaurantes e a volta do turismo deram sensação de normalidade na primavera e no verão. Até agora.
Na quarta-feira (28), Alemanha e França radicalizaram as restrições para tentar controlar a média de 220 mil contaminações diárias nos últimos sete dias no continente, um recorde.
— O vírus circula a uma velocidade não esperada nem pelas previsões mais pessimistas. Como todos os nossos vizinhos, estamos afundados pela súbita aceleração do vírus. Estamos no meio de uma segunda onda, que será sem dúvidas mais dura e mortal do que a primeira — disse o presidente da França, Emmanuel Macron, ao anunciar um novo confinamento nacional.
Segundo as autoridades de saúde francesas, entre 40 mil e 50 mil novas infecções têm sido identificadas todos os dias. As medidas de confinamento e distanciamento social na França serão aplicadas a partir de sexta-feira (30) e incluirão exceções, como a continuação do funcionamento da maioria das escolas e a permissão para a realização de funerais.
Os serviços públicos também continuarão funcionando. As medidas permitirão ainda a saída de casa para uma hora diária de exercício, para a compra de bens essenciais e para fazer uma consulta médica. As pessoas ainda terão permissão para trabalhar fora de casa, se o seu empregador considerar impossível o trabalho remoto.
Com os relógios atrasados em uma hora e as noites mais longas em razão do outono, os hospitais estão enchendo de pessoas com problemas respiratórios e ameaçam não aguentar novamente a carga de milhares de casos de covid-19. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou no começo da semana para o perigo do aumento das infecções sem nem ao menos ter começado a "temporada de gripe".
Na terça-feira (27), a França relatou 523 novas mortes por coronavírus em 24 horas, o maior número diário desde abril. Os médicos alertaram que as unidades de terapia intensiva correm o risco de ficarem sobrecarregadas.
Na quarta (29), a Alemanha também decidiu impor as restrições mais duras desde do lockdown do começo do ano. O acordo para impor uma paralisação parcial de um mês foi acertado pela chanceler, Angela Merkel, com os governadores alemães.
— Nós temos de agir e precisamos agir agora para evitar uma emergência de saúde nacional — disse a Merkel, ao anunciar as medidas.
Cinemas, teatros, academias e piscinas serão fechados no país, mas o governo permitiu que as lojas permaneçam abertas desde que mantenham um limite de atendimento de uma pessoa a cada 10 metros quadrados nos estabelecimentos. Eventos esportivos profissionais só serão permitidos sem espectadores.
Antes, o governo alemão já tinha tornado obrigatório o uso de máscaras em mercados, ruas movimentadas e zonas da capital, além de ter aumentado o policiamento para garantir o cumprimento das regras. Na terça, o país bateu o recorde de casos diários, com 14.964 novas infecções em 24 horas, elevando o número total para 464.239, de acordo com dados do instituto de saúde pública da Alemanha. No sábado (24), o país havia ultrapassado a marca de 10 mil mortes pela covid-19.
A Espanha também cogita um novo lockdown nacional, com o País Basco fechando as fronteiras da região e as autoridades regionais em Madri considerando uma medida semelhante. No Reino Unido, que relatou 367 mortes na terça, o primeiro-ministro, Boris Johnson, tem ouvido apelos por um confinamento mais severo, com o órgão consultivo do governo para lidar com a pandemia alertando que a segunda onda poderia ser mais mortal do que a primeira.
O cansaço com as medidas de restrição e distanciamento impostas até agora tem sido apontado como o principal fator para a disparada das contaminações e o consequente aumento no número de casos na Europa.
— Os cidadãos fizeram enormes sacrifícios. Teve um custo extraordinário, que esgotou a todos nós, independentemente de onde vivemos ou do que fazemos. A fadiga da pandemia é real — disse Hans Kluge, diretor regional da OMS para a Europa.
Dessa vez, as pessoas não estão mais tão dispostas a se refugiar em seus apartamentos, saindo à noite para aplaudir enfermeiros corajosos. Ninguém mais canta nas suas sacadas. Os europeus continuam com medo da covid-19, mas também têm medo de perder seus empregos.
Caterina Gramaglia, 42 anos, atriz de teatro em Roma, disse ao jornal Washington Post que, em comparação com a primavera, ela se sente mais desamparada, menos segura sobre o que fazer. A primeira vez que os teatros fecharam na Itália foi para ela uma chance de quietude, de reflexão. Agora que os cinemas fecharam novamente, ela disse "a época é de grande pavor e medo".
Nos últimos dias, em vários países da Europa, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra medidas de restrição e confinamento. A polícia da Itália disparou gás lacrimogêneo para dispersar multidões no fim de semana em Turim e Milão.
Na Alemanha, as ruas encheram-se de manifestantes da indústria hoteleira. Em Liverpool, que está lidando com restrições regionais, os proprietários de academias desafiaram as ordens da polícia para fechar, dizendo que as instalações precisavam permanecer abertas.
Percebendo o clima generalizado contra as medidas restritivas, Tedros Ghebreyesus, chefe da OMS, disse no começo da semana que a "fadiga com a pandemia que as pessoas estão sentindo é compreensível", mas ele insistiu:
— Não devemos desistir.
Na quarta, na França, os líderes empresariais expressaram temor de que um novo lockdown seja fatal para muitas empresas, mas médicos e especialistas dizem que um novo isolamento é necessário.
A União Europeia (UE) pediu que os países realizem mais testes e adotem uma política mais coordenada, para desfazer o que tem sido uma colcha de retalhos de medidas díspares em seus países-membros.
— Estamos na segunda onda agora. Nossas expectativas são de que esses números aumentem nas próximas semanas e aumentem rapidamente — disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, braço executivo do bloco, em entrevista coletiva.
UE defende transferência de pacientes entre países do bloco
Ursula von der Leyen também pediu aos líderes da UE que ajudassem a mapear a capacidade de leitos de UTI nos países do bloco para permitir a transferência de pacientes com coronavírus de hospitais lotados em toda a Europa.
A Bélgica deve ficar sem leitos de UTI em duas semanas, em razão da taxa crescente de infecções, enquanto a Holanda já começou a transportar pacientes de pontos críticos para a Alemanha. Quase metade da capacidade das unidades de terapia intensiva da França foi ocupada por novos casos.
Von der Leyen disse que não se envolveria em um "jogo de culpados", mas que a situação "séria" mostrou que "as estratégias de reabertura foram rápidas e as medidas foram relaxadas cedo demais". Segundo ela, controlar taxa de infecção e manter baixa a taxa de mortalidade exigirá uma coordenação mais próxima entre os governos, incluindo compartilhamento de dados para ajudar na movimentação de pacientes e equipes médicas entre os países do bloco.
— É importante termos dados em nível europeu para que, se houver pressão sobre os leitos de UTI, possamos melhorar a coordenação entre os países e agilizar a transferência de pacientes de um lugar para o outro.