Um sinal de que o processo de impeachment pouco tira o sono de Donald Trump é que, enquanto no último dia 18 os deputados aprovavam o andamento do julgamento político em Washington, o presidente fazia um comício de Natal a quase mil quilômetros dali, em Battle Creek (Michigan), aproveitando-se justamente do episódio para reforçar sua narrativa junto aos eleitores: aquela segundo a qual, enquanto os políticos tradicionais de DC se empenhavam na "caça às bruxas", ele estava preocupado com o que "realmente interessa", o bolso das pessoas. E, nesse sentido, a escolha de Michigan é emblemática: é um dos Estados que sofreu com a forte desindustrialização na chamada "rust belt", cinturão da ferrugem.
A maioria republicana no Senado, onde o jogo do impeachment de fato é decidido, dá essa tranquilidade para que Trump continue sendo Trump — ou seja, falando primeiro e pensando depois, desdenhando de pesquisas de intenção de voto e atacando críticos, em especial a imprensa. Para que o presidente seja afastado, são necessários no mínimo dois terços dos votos na Casa. Os republicanos têm 53 cadeiras contra 47 dos democratas. Mesmo que haja algumas defecções do lado do governo essas seriam insuficientes. Por mais que a base do partido observe Trump com desconfiança, manter um republicano na Casa Branca em 2020 é motivo para cerrar fileiras no julgamento político.
Estamos a menos de um ano da eleição presidencial — e previsões com tamanho distanciamento temporal são arriscadas. No entanto, há pelo menos três evidências que indicam que só uma tragédia eleitoral ejetaria Trump do prédio da Avenida Pensilvânia, 1.600, no ano que vem.
A primeira delas é o efeito rebote do impeachment, cujo tiro dos democratas pode sair pela culatra. A própria oposição, liderada pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi, adiou ao máximo a ideia de instaurar o processo — mesmo a investigação sobre a suposta interferência russa na eleição de 2016 ou o afastamento do diretor do FBI James Comey, que configuraria tentativa de obstrução da Justiça, não convenciam os democratas a iniciar o impeachment. Reticente, a oposição só resolveu partir para o ataque diante da revelação de que Trump teria abusado de seu poder ao pedir ao presidente da Ucrânia que investigasse no país os negócios do filho de Joe Biden, seu rival na corrida presidencial.
O efeito rebote se dá por vários fatores: a maioria da população americana é contra processos de impeachment porque entende que isso fragiliza a democracia; dois dos principais pré-candidatos democratas, Elizabeth Warren e Bernie Sanders, são congressistas e estão focados no processo de impeachment, enquanto poderiam estar a mil na campanha; E, mais importante, o provável sepultamento do processo no Senado, no início de 2020, marcará a ferro e fogo os democratas com a pecha de derrota pouco antes do início das prévias, dando a Trump força política descomunal na largada da campanha da reeleição.
O segundo argumento que indica que ninguém tira o novo mandato de Trump é que a própria oposição está fragmentada — chegou a haver 30 políticos, hoje esse número foi reduzido. Biden, ex-vice de Barack Obama, segue como o nome a ser batido internamente, entre os pré-candidatos. A seu favor está a experiência do cargo, apesar de não dispor de boa oratória, ter idade avançada, fracas participações nos debates e ser alvo dos ataques implacáveis de Trump. Elizabeth Warren está na cola de Biden e, ao lado de seu colega liberal do Senado, Sanders, trouxe energia para a ala progressista do partido. Ela adota um perfil técnico, tanto que seu lema de campanha é que tem um plano para quase qualquer problema americano. Sanders, que segue bem próximo de Elizabeth nas pesquisas, é o mais liberal entre os concorrentes e pediu nada menos que uma revolução política para reabilitar a classe trabalhadora dos Estados Unidos — demais para o eleitor médio americano.
O terceiro e decisivo fator pró-Trump é a economia, que atinge índices históricos. O desemprego é o mais baixo em meio século (3,5%) e a revisão mantém alta de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no terceiro trimestre. Nenhuma crise internacional, desgaste político com o impeachment ou pressão dos democratas é mais forte do que esses percentuais na hora do voto.