A Justiça da Arábia Saudita deu um jeito de livrar o príncipe Mohammed bin Salman da responsabilidade pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, no consulado do país em Istambul, Turquia, em outubro do ano passado. A manobra começou a se confirmar quando as principais personalidades investigadas no caso foram, uma a uma, sendo inocentadas por falta de provas: um dos principais conselheiros do príncipe, Saoud al-Qahtani, o oficial de inteligência saudita, Ahmed Asiri, e o general do consulado na capital turca, Mohamed al-Otaibi.
Os três são os homens fortes de Bin Salman. Ao afastá-los, a Justiça saudita cortou qualquer conexão com o herdeiro do trono de Saud.
Já era de se esperar que Bin Salman, aquele que tudo sabe e tudo pode na autocracia saudita, passasse ileso pela investigação, ainda que relatórios da CIA (agência de inteligência americana) e especialistas das Nações Unidas apontassem seu envolvimento no caso. Moderninho, com pinta de bon vivant, ele comanda com mão de ferro umas das mais sanguinárias teocracias do Oriente Médio, suspeita de violações de direitos humanos dentro (contra a oposição e minorias) e fora (no Iêmen).
Segundo o porta-voz da procuradoria-geral saudita, Shalaan al-Shalaan, cinco pessoas foram condenadas à morte pelo assassinato do jornalista, que atuava como colunista do jornal americano The Washington Post e era um dos principais críticos do príncipe. Outras três já tinham sido condenadas pelo mesmo crime. Todas ainda podem recorrer da decisão. Com a falta de transparência que lhe é peculiar, o reino não divulgou os nomes dos condenados.
Nos últimos meses, o governo saudita mobilizou a máquina de propaganda milionária, regada a petrodólares, para melhorar a imagem do país: realizou grandes eventos internacionais, com artistas do show business, reduziu as restrições aos direitos das mulheres – que, agora, podem dirigir – e anunciou que, pela primeira vez, turistas dos Estados Unidos e de outros países – entre eles o Brasil – podem obter vistos para visitar o reino.
Mas a grande jogada de relações públicas foi a realização da conferência conhecida como Davos do Deserto, que contou com mais de 150 executivos, 40 deles dos Estados Unidos, e com a presença de chefes de Estado, como o presidente Jair Bolsonaro, em outubro. Durante o evento, a monarquia anunciou que irá investir até US$ 10 bilhões no Brasil.
A Arábia Saudita sempre ocupou a posição de maior importador do frango produzido por aqui – e só foi desbancada pela China devido à ampliação das compras em razão da crise com o surto de peste suína africana.
Enquanto em uma frente o príncipe comanda bombardeios aos houthis no Iêmen, com armas importadas do governo Donald Trump, em outra, amplia a ofensiva comercial. Bin Salman quer reduzir a dependência do petróleo, entendendo que uma maior integração e diversificação ajudarão o país a criar uma economia mais moderna e sustentável. Sem o peso da morte de Khashoggi nas costas, o príncipe tem pista livre para expandir seu poder.