A leviana acusação do ministro da Comunicação venezuelano, Jorge Rodríguez, segundo o qual o Brasil teria dado apoio aos grupos responsáveis pelos ataques a unidades militares na fronteira com Roraima, é mais uma das perigosas bravatas do governo de Nicolás Maduro. A declaração, por si só, não tem potencial para criar uma crise diplomática entre os dois países, mas deposita mais lenha na fogueira das já deterioradas relações entre Brasília e Caracas.
As ações ocorreram na madrugada de domingo (22) e deixaram um militar morto e um ferido — um lote de armas foi levado pelo grupo. No Twitter, Rodríguez disse que os responsáveis pela ofensiva "treinaram em acampamentos paramilitares amplamente identificados na Colômbia e receberam a colaboração desonesta do governo de Jair Bolsonaro". Nesta segunda-feira (23), o Itamaraty negou envolvimento brasileiro no ataque.
Não há provas de participação brasileira nos ataques – e qualquer insinuação contraria a visão que os militares e o Planalto mantêm sobre a crise venezuelana. No passado, o setor ideológico do governo chegou a cogitar uma ação, apoiada pelos Estados Unidos, para retirar Maduro do poder. O impeto intervencionista de alguns integrantes do primeiro escalão do governo, entretanto, foi contido pelos generais brasileiros, entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão.
Desde a autoproclamação de Juan Guaidó como presidente venezuelano, que completará um ano em 23 de janeiro, as relações entre o governo Jair Bolsonaro e de Maduro se deterioraram. O ponto mais crítico ocorreu um mês depois, com a tentativa de entrada de ajuda humanitária pela fronteira com Roraima – quando a fronteira chegou a ser fechada. Depois de um período de breve distensão, em novembro, a situação voltou a ficar tensa com a invasão da embaixada venezuela em Brasília por apoiadores de Guaidó. Na época, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência afirmou que Bolsonaro "jamais tomou conhecimento e, muito menos, incentivou a invasão da embaixada da Venezuela".
Junto a outros líderes latino-americanos, Bolsonaro defende a saída de Maduro do poder, mas no tabuleiro geopolítico que se desenha para 2020, o ditador venezuelano sai fortalecido – um ano depois da autoproclamação de Guaidó, quem manda de fato na Venezuela ainda é Maduro: ele tem o poder militar na mão, a oposição perdeu timing político e a população continua sofrendo com o desabastecimento e a inflação nas alturas em um Estado falido.
Na Venezuela, 2019 termina como começou.