Em um dia histórico para a política americana, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira (18) o impeachment do presidente Donald Trump.
Eram necessários 216 votos para aprovar o impeachment — maioria simples dos 431 deputados em plenário — mas o resultado ainda não é suficiente para tirar Trump da Casa Branca. Ao menos dois democratas votaram a favor de Trump.
Ao contrário do Brasil, onde o afastamento do chefe de governo acontece imediatamente após a chancela da Câmara, o presidente dos EUA só deixa o cargo depois do aval do Senado, hoje comandado por maioria republicana.
A partir de janeiro os cem senadores, 53 deles republicanos, serão os jurados das acusações chanceladas pelos deputados, em sessões comandadas pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts.
O avanço do impeachment, porém, vai além dos trâmites legais. O processo é pano de fundo da eleição do próximo ano e tem servido de estratégia aos dois lados de um polarizado tabuleiro político.
O desfecho na Câmara, de maioria oposicionista, já era esperado em Washington, mas servirá de reforço à narrativa dos democratas de que Trump não tem mais condições de liderar o país.
A expectativa da oposição é de que o passo concreto dado nesta quarta-feira estimule o apoio popular em torno do tema e pressione os senadores a também votar pelo impeachment.
Mas o roteiro tem dois problemas fundamentais: o interesse dos eleitores americanos sobre o processo diminui a cada semana e o assunto parece ter se tornado apenas mais um elemento de disputa partidária.
Além disso, os democratas sabem, o cenário é favorável a Trump no Senado. Os republicanos têm maioria na Casa e apostam nisso para enterrar de vez o processo contra o presidente.
Ali são necessários mais de dois terços dos votos. Ou seja, no mínimo 67 dos cem senadores precisam votar contra Trump, possibilidade remota visto que o presidente goza de expressivo apoio dentro do seu partido e poucas defecções são esperadas.
Analistas e políticos americanos avaliam ainda que o impeachment se tornou mais um elemento da polarização em que já estão mergulhados os EUA, sem grande potencial de reflexo no voto do eleitorado em 2020.
Quem não gosta de Trump, dizem, usará a aprovação na Câmara como argumento de que ele abusou do cargo e deve sair, enquanto quem o defende tentará capitalizar a provável decisão dos senadores de rejeitar o processo.
Trump tem força em sua base eleitoral, energizada com a repetida retórica de que o presidente é vítima de uma caça às bruxas inventada pelos democratas e alimentada, na sua avaliação, pela imprensa americana.
Os bons índices da economia — com taxas de desemprego baixíssimas e crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) em 2% mesmo com a crise global — também têm ajudado o discurso do republicano.
As pesquisas mais recentes mostram a população divida quanto ao impeachment: cerca de 47% querem que Trump seja removido do cargo, enquanto 46% são contra o afastamento do presidente.
As eleições nos EUA, no entanto, não se baseiam no voto popular, mas sim no sistema indireto de Colégio Eleitoral.
Justamente com o temor de ver o impeachment parar no Senado e ter que lidar com o fracasso político às vésperas de 2020, a cúpula democrata resistiu por muito tempo em avançar com o processo no Congresso.
No entanto, diante das informações de que Trump havia pressionado a Ucrânia a investigar Biden e o filho dele, Hunter, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, precisou mudar de postura.
Em 24 de setembro, ela anunciou a abertura do processo de impeachment e deu início ao inquérito contra Trump.
A partir daí o Comitê de Inteligência da Câmara conduziu interrogatórios sobre as acusações com diplomatas, funcionários de alto escalão do governo e especialistas.
No fim de novembro, as audiências se tornaram públicas, em uma estratégia da oposição para angariar apoio popular à tese de que Trump atuou de forma irregular quando pressionou a Ucrânia.
E as testemunhas não decepcionaram. Em depoimentos transmitidos ao vivo pela TV, confirmaram que o presidente havia condicionado ajuda militar de US$ 391 milhões ao país do leste europeu a apurações contra os Bidens.
A contrapartida é um dos pilares cruciais da oposição para mostrar o desvio de conduta e abuso de poder de Trump em suas relações com a Ucrânia.
Em 3 de dezembro, o Comitê de Inteligência da Câmara divulgou seu relatório sobre o processo de impeachment.
Em seguida, foi a vez do Comitê Judiciário começar os trabalhos para deliberar se os atos do republicano se enquadravam nas definições do Artigo 2º, Seção 4 da Constituição dos EUA, que traça as regras para o impeachment.
A carta estabelece que o presidente "deve ser removido do cargo através do impeachment se condenado por traição, suborno e outros altos crimes."
O deputado democrata Jerry Nadler, presidente do Comitê Judiciário e responsável por redigir as acusações contra Trump, chegou a convidar o republicano a depor, mas ele se negou a ir ao Congresso.
Após a elaboração dos dois artigos -ou acusações- de impeachment, o processo seguiu para o plenário da Câmara, etapa concluída com a votação desta quarta-feira.
Trump nega qualquer irregularidade em sua relação com a Ucrânia e diz que o telefone com Zelenski foi um evento corriqueiro, sem pedidos com contrapartidas.
Na terça-feira (17), o presidente enviou uma carta de seis páginas a Pelosi dizendo que protestava de maneira "forte e poderosa contra o impeachment", o qual ele descrevia como uma "cruzada" liderada pelos democratas.
Nos bastidores, porém, o presidente diz querer esticar ainda mais o processo -enquanto os democratas trabalharam para acelerá-lo nas últimas semanas- já que o tempo corre contra a oposição.
Dois dos principais pré-candidatos, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, são senadores e estarão comprometidos no julgamento do Senado ao invés de se dedicarem à campanha nos estados, por exemplo.
Essa é a terceira vez na história americana que a Câmara aprova o impeachment de um presidente. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, sofreram impeachment na Câmara, mas foram absolvidos pelo Senado.
Richard Nixon renunciou antes da votação da Câmara em 1974, ao perceber que perdia apoio entre seus próprios aliados e seria removido do comando da maior potência mundial..