O presidente Jair Bolsonaro encara, na terça-feira (24), o principal palco político mundial: a tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas. Como é tradição, desde o gaúcho Osvaldo Aranha, o Brasil abre o encontro mais importante do cenário global.
Bolsonaro foi liberado pelos médicos para viajar, conforme anunciou nesta sexta-feira (23), o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.
Em seu discurso, o primeiro do presidente, ele deve reforçar a soberania nacional sobre a Amazônia, depois da crise internacional provocada pelos incêndios na floresta e a reação do governo. Depois da crise de imagem provocada pelo fogo na Amazônia, o mundo aguarda com curiosidade o posicionamento brasileiro.
Na ONU, em Nova York, Bolsonaro irá ficar frente a frente, pela primeira vez desde a troca de farpas, com o presidente francês, Emmanuel Macron.
Entre outros temas, o brasileiro deve reforçar, durante o discurso, a nova política externa do país, que qualifica como "desideologizada", e ressaltar alianças com os Estados Unidos e Israel. O Itamaraty monitora risco de boicote ao discurso do brasileiro, especialmente em temas sensíveis, como a questão palestina e o posicionamento sobre temas ambientais.
Veja o que deve e o que não deve aparecer no discurso de Bolsonaro.
Amazônia
O mundo espera ansioso para ouvir Bolsonaro sobre os incêndios e desmatamentos na Amazônia. A reação do governo à crise, a desconfiança dos dados científicos, o avanço da fronteira agrícola são temas que ainda repercutem lá fora.
Bolsonaro deve aproveitar a tribuna internacional para reafirmar a soberania brasileira sobre a floresta e rejeitar qualquer discurso de internacionalização da Amazônia. Também deve tentar apresentar uma imagem de que o Brasil está fazendo o máximo para debelar o fogo. O senador Luis Carlos Heinze, que ajudou Bolsonaro a escrever discurso da ONU, entregou ao presidente levantamentos da Embrapa, como o que mostra que 84% da área da Amazônia é preservada. A informação que mais chamou a atenção do presidente é a que compara o índice de preservação no Brasil das florestas primárias com outros países.
Mudanças climáticas
Ao longo das últimas décadas, o Brasil era visto como liderança em questões ambientais, sendo ouvido e escolhido para sediar grandes eventos internacionais sobre o tema, como a Rio+20, em 2012. Bolsonaro, que durante a campanha afirmou que não ratificaria o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, recuou e, em fóruns internacionais, tem se comprometido com o acordo, mas a maneira como reagiu aos incêndios na Amazônia despertou dúvidas nos europeus sobre o real comprometimento do Planalto com as questões ambientais. Uma citação explícita sobre o tema seria apreciada por maior parte da comunidade internacional.
O país não está na lista de nações que irão discursar na cúpula do clima da ONU, que acontece um dia antes do discurso de Bolsonaro, porque, segundo diplomatas, não apresentou plano para aumentar o compromisso com a redução do aquecimento global.
Mal-estar com Macron e Merkel
Esta será a primeira vez em que Bolsonaro ficará frente a frente com o presidente francês, Emmanuel Macron, e com a chanceler alemã, Angela Merkel desde a crise que evoluiu para o lado pessoal dos incêndios na Amazônia.
No auge da crise na floresta, o brasileiro endossou um comentário em sua página no Facebook que zombava da mulher de Macron, Brigitte, fato que levou o francês a classificar o gesto como "triste" e sugerir Bolsonaro não está à altura do cargo.
Sobre Merkel, o brasileiro sugeriu que a chanceler "pegue grana (recursos para projetos de proteção à floresta) e refloreste a Alemanha". Vale ficar de olho se haverá encontros nos corredores e nas expressões dos líderes no salão da assembleia geral.
Questões de gênero
O endosso de Bolsonaro ao xingamento a Brigitte Macron foi muito mal visto no cenário internacional. Por isso, a comunidade internacional ficará de olho no que o presidente falará sobre questões de gênero.
Em julho, o Brasil acompanhou a posição de países de maioria islâmica, boa parte deles com governos autoritários, divergindo da quase totalidade das nações europeias, em votações sobre direitos sexuais e das mulheres no mais importante órgão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
Em votação sobre outra resolução, relacionada à educação sexual, o Brasil apoiou mudança proposta pelo Paquistão, propondo excluir a recomendação de "garantir o acesso universal à educação abrangente sobre sexualidade baseada em evidências". Nos fóruns internacionais, embaixadores brasileiros têm ressaltado que o governo Bolsonaro "considera gênero sinônimo de sexo biológico".
Direitos humanos
O tema não deve aparecer no discurso do presidente na ONU. O país absteve-se de votar em uma resolução, aprovada pela maioria do Conselho de Direitos Humanos da ONU, sediado em Genebra, pedindo a abertura de uma investigação sobre as execuções extrajudiciais realizadas por policiais nas Filipinas, na "guerra às drogas" do presidente Rodrigo Duterte.
No início do mês, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou o ímpeto nacionalista de Bolsonaro durante os incêndios na Amazônia, alertando que há uma "redução no espaço democrático" no Brasil. Ela também destacou o aumento do número de pessoas mortas pela polícia no país, ressaltando que esta violência afeta desproporcionalmente os negros e as pessoas que vivem em favelas.
A reação do presidente provocou críticas internacionais, inclusive do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. Bolsonaro disse que "se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973", incluindo o pai de Bachelet, "hoje o Chile seria uma Cuba".
Política externa "desideologizada"
Um dos tópicos principais do pronunciamento de Bolsonaro deve ser a exaltação da nova política externa e da suposta "desideologização" do Itamaraty.
Ainda que indiretamente, o presidente deve criticar o que considera globalismo — suposto conluio internacional financiado por elites progressistas, para chegar ao poder e colocar em prática uma agenda de esquerda. É esperada pela comunidade internacional alguma referência de apoio ao multilateralismo, afinal, a ONU é, por excelência, um órgão de diálogo global. O Planalto deixou de enfatizar o multilateralismo como estratégia preferida da sua política externa e se alinhou a países céticos quanto ao sistema internacional.
Alinhamento com Estados Unidos e Israel
Bolsonaro deve comemorar o alinhamento com Estados Unidos e a forte aproximação com Israel. O presidente deve ressaltar ganhos pontuais, como o fato de o Brasil fazer parte dos países aliados fora da Otan e o esforço americano para inclui-lo como membro da OCDE.
Citações que deem a entender um possível reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel podem provocar a retirada da delegação palestina e de países que apoiam a causa. Não são esperadas referências a nações africanas, comuns na era do PT no Planalto.
Crise na Venezuela
Os Estados Unidos esperam a condenação veemente por parte de Bolsonaro ao regime de Nicolás Maduro (que não irá à ONU) na Venezuela. Não é da tradição da diplomacia brasileira criticar explicitamente líderes em pronunciamentos importantes.
Uma defesa velada à mudança de governo pode ocorrer. Os setores militar e ideológico do Planalto divergem sobre intervenção militar no país latino-americano. O governo brasileiro foi solicitado pela Casa Branca a apresentar uma resolução contra o regime de Maduro, na ONU. A ideia é de que seja criada uma investigação internacional para examinar os responsáveis por crimes na Venezuela, ampliando a pressão sobre Caracas. Rússia, China e União Europeia se opõem.
União Europeia e Mercosul
Maior vitória da diplomacia de Bolsonaro nesses seis meses, o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul deve ser comemorado pelo presidente. No entanto, o Brasil levou um baque nas negociações desde que governo francês endureceu sua posição, dizendo que não ratificará nenhum acordo que, entre outros pontos, prejudique os "engajamentos ambientais da Europa no Acordo de Paris".
Em discursos anteriores, a relação com vizinhos latino-americanos era saudada. Hoje, o Brasil não tem uma estratégia clara nem para o Mercosul nem para a América do Sul — isso é agravado pela incerteza em relação ao futuro na Argentina, com o favoritismo do retorno de Cristina Kirchner ao poder nas eleições de outubro.
China e Brics
Outro ponto de atenção será como o governante brasileiro irá tratar as questões comerciais, em especial com o principal parceiro de negócios, a China.
Bolsonaro não deve entrar no detalhe durante o discurso, mas os chineses esperam sinalização se o país irá ou não participar da iniciativa "One Belt One Road" (a Nova Rota da Seda). Washington quer que o Brasil não participe. É parte dessa decisão os rumos que o país quer dar aos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).