Vinte meses após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o relatório da comissão do Congresso americano que investigou as falhas na segurança nos Estados Unidos anunciou sua principal conclusão: faltou imaginação para a comunidade de inteligência. Os sinais de que alguém os atacaria em seu território eram claros, mas ninguém achou que fosse possível. Em outras palavras, CIA (agência de inteligência), FBI (polícia federal), Departamento de Defesa não eram tão criativos quanto assistíamos nos filmes de Hollywood. E, principalmente, não sabiam de tudo.
O mundo mudou. E não é absurdo que o Facebook tenha, hoje, mais informações sobre nossos hábitos – e em especial dos americanos – do que a CIA. A comparação foi feita por Yael Eisenstat, ex-funcionária da agência e diplomata, com passagens pela África e pelo gabinete do ex-vice-presidente Joe Biden. Pela expertise de ex-espiã, ela foi contratada pela empresa de Mark Zuckerberg. Conheceu as entranhas do Facebook e, em seis meses, se decepcionou. Saiu.
Em entrevista à revista Wired (leia íntegra aqui), uns dos principais veículos sobre tecnologia do mundo, Yael contou sobre sua missão no Vale do Silício: investigar falhas da companhia que levaram à suposta interferência russa nas eleições de 2016. Daí a conclusão:
– Começo a fazer essa piada – nem todo mundo a faz, tendo estado em ambos os lados –, mas o Facebook conhece você melhor do que a CIA. Sabe mais sobre você do que você mesmo.
Alarmante! Yael é uma das raras pessoas a conhecer por dentro duas organizações cercadas por sigilo: uma conhecida por operações “não convencionais” durante a Guerra Fria, financiamento de grupos opositores para desestabilizar regimes inimigos da Casa Branca, apoio a ditaduras e interrogatórios com tortura; outra suspeita de manipular seu algoritmo para manter usuários dentro de seu ambiente, punida por vazar dados pessoais de internautas para consultoria política e acusada, nos EUA e na Europa, de concorrência desleal.
Como serviços “gratuitos”, as gigantes de tecnologia ganham dinheiro mantendo o usuário engajado, para que possam exibir anúncios publicitários. Quanto mais você curte, posta e assiste a vídeos de gatinhos, mais repassa suas informações ao Facebook. Por seu lado, a empresa, de posse de seus dados, explora gostos, sentimentos e fragilidades para direcionar propaganda. Diz a ex-diplomata:
– O modelo de negócios (do Facebook) é mantê-lo engajado. Não é uma questão de saber se publicidade é bom ou ruim. A questão é o que eles têm de fazer para mantê-lo engajado tempo suficiente para exibir anúncios diante de seus globos oculares? Suas ferramentas estão fazendo o que podem para nos manter engajados, o que está nos levando a mais e mais buracos extremos, nos polarizando cada vez mais. Quanto mais nos mantiverem indignados, irritados, polarizados, será mais fácil para uma Rússia entrar e explorar essa divisão.
Segundo ela, as falhas que possam ter levado à interferência estrangeira na eleição de Donald Trump consistiriam na parte mais fácil de ser corrigidida.
– Havia anunciantes que pagavam em rublos (moeda russa). São coisas que não deveriam ter sido tão difíceis de se descobrir – sugere.
Para ela, o principal problema na discussão sobre o lado sombrio das plataformas é o modelo de negócio do Facebook, que se alimenta intencionalmente de nossos piores sentimentos como seres humanos. A companhia é suspeita de fornecer a anunciantes ferramentas que lhes permitem fazer marketing psicológico, aproveitando insights de nossos perfis. Uma das iniciativas mais nefastas da publicidade gira em torno de empresas que fazem propaganda, aproveitando-se da análise de de dados sensíveis dos usuários: procurar por quem está triste para comercializar antidepressivos, por exemplo.
Daí para a segregação por raça, religião ou gênero é um passo.